Durante muito tempo na vida eu achei que era muito normal sapatos apertarem, machucarem, pressionarem, espremerem. Eles eram bonitos e eu queria ser bonita e achava isso muito normal.
Um dia vi a luz: eu não precisa ser bonita (até podia, mas não precisava). Logo, também não precisava usar sapatos bonitos e machucadores. Nunca.
Minha vida mudou (mesmo). Meu humor melhorou. Eu vou a pé pra qualquer lado, agora. Eu pego ônibus sem pensar duas vezes, agora. Eu não me preocupo se meu salto vai afundar na grama ou agarrar em um buraco da calçada ou me fazer tropeçar, agora. E no trabalho, quando preciso chegar ao fim de corredores longos arrastando cadeiras ou carregando banners, eu nem pisco o olho.
Isso ficou tão normal que eu até me esqueço da libertação que foi. Só me lembro quando uma colega pergunta: "Mas você nunca usa salto? Isso não é radical?" E eu fico sem palavras pra responder. Porque eu nem concebo um mundo onde eu me submeta a incômodos outros do que os absolutamente necessários. Porque hoje me parece tão óbvio que sapatos apertarem, machucarem, pressionarem e espremerem não é normal. Porque já fui essa colega.