terça-feira, 18 de maio de 2010

O Caso do Machismo na Literatura

Hoje li o "Travessuras da Menina Má", do Vargas Llosa. (É, hoje. Eu posso ser baixinha, fracota, não ter condicionamento físico nem consciência corporal, mas ainda não encontrei alguém que lesse mais rápido que eu. Ha.)

O Mariozinho é um bom escritor. Me diverti durante umas horas com ele, e fiquei querendo saber como a história ia terminar. No livro, o narrador conta, em primeira pessoa, suas aventuras e desventuras com o amor de sua vida - a menina má -, com quem ele se encontra e desencontra tendo como pano de fundo da Europa e do Peru durante as décadas de 60, 70 e 80.

Só que o "amor de sua vida" não está nem aí pra ele. Ela diz e demonstra, repetidas vezes, que não o ama e que mal gosta dele. Na verdade, ela o procura só quando está encrencada e precisa de ajuda.

Ou seja, trata-se de uma história típica de amor obsessivo. Em outras palavras, ela fala mil vezes "não" e ele se recusa a escutar, entender ou acreditar. Porque mulher não tem querer, né? Ou não sabe o que realmente quer.

A cena da primeira vez em que eles fazem amor é constrangedora: ela desinteressada e passiva, ele em êxtase. Mas a experiência dela não importa - o que importa é que ele esteja feliz, não é mesmo?

Isso não é romântico. É machista. É coisa de filmes e livros em que o "herói" beija a mulher à força e aí, finalmente, ela cede. Porque ela não sabia que, no fundo, ela queria, entende?

No fim das contas, o machismo é ruim pra todo mundo. O protagonista joga a vida fora por causa da menina má.

Bem-feito.

(Obs: toda vez que o hômi reencontra a moça, a primeira coisa que ele diz pra ela é que ela está linda. Que nunca esteve tão bonita. Que está mais linda do que antes. Que ele tinha medo de que ela não estivesse mais bonita. E é claro que, nos períodos em que por alguma razão ela não está linda, ele não quer encostar nela. Típico.)

14 comentários:

  1. Achei essa sua reflexão um tanto quanto exagerada...

    Mas ainda preciso pensar mais sobre...

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  2. Ei, Lud!
    Também li esse livro e também me incomodou um pouco. Uma coisa que me irrita bastante, mais do que tudo o que você falou, é essa coisa de que homem só se apaixona por mulher que não o quer, que é linda e perfeita, mas lá longe. Sabe? Igual em "Amor nos Tempos do Cólera". Isso é real mesmo? A gente tem ficar naquela luta de se fazer de difícil pra um cara nos amar. Que cansativo. E chato...
    Enfim...

    Beijão!

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  3. Eu concordo bastante. Eu gosto do Vargas Llosa, já li outras coisas dele (adoro "Pantaleão e as Visitadoras") mas também acho bem machista.
    Na menina má, o que me incomoda principalmente é essa idéia da "Eva," da mulher que consegue o que quer dos homens. Porque não sei se concordo que o protagonista "joga sua vida fora" por conta dela. Ele queria ser intérprete e morar em Paris, não queria? Conseguiu, olha só. Sua frustração é no plano afetivo. É importante, claro, mas não pra dizer que ele não realizou outras coisas. Já ela é completamente dependente dos homens com quem se envolve. A gente percebe que ela até poderia ter optado por uma alternativa mais conservadora: permanecer casada com um marido não necessariamente rico, mas estável. Ainda assim, o único meio de sair da pobreza em que foi criada é conseguindo a aprovação masculina. Não há autonomia possível pra ela.
    No mais, concordo que é obsessiva e flerta com o estupro essa idéia de que o desjo da mulher não importa. Mas no livro fica claro que ela sabe jogar bem com isso também, né? Porque ele faz sexo oral, ela goza, e depois fica com cara de tédio só pra mostrar o quanto ELA não está nem aí pro prazer dele, que está ali fazendo uma concessão.

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  4. claro, somos sempre as malvadas, as que merecem o chute, as que provocam e que depois tem que aguentar a mao na bunda etc etc etc. eh assim na literatura, eh assim no dia a dia.

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  5. Oi Lud, obrigada pela resposta no post anterior. Ontem voltando de um curso aqui em Brasília descobri porque evito aprender a dirigir: é que gosto de pensar e divagar enquanto marido dirige. Ou olhar a paisagem da janela do ônibus. E se for dirigir vou ter que prestar atenção em setas, placas, asfalto e pessoas grossas! :)
    Acabei de ler um livro que me incomodou por um motivo parecido. Desonra (Disgrace), do Coetzee, já leu? Então, acho que o personagem principal, David Lurie, trata as mulheres da mesma forma que o narrador do Mario. Eu senti no livro que a aluna com a qual ele se envolveu e foi acusado de assediar, não estava "nem aí" pra ele. Mesmo assim ele não via. E quando estava no fundo do poço da África foi se encostar com a mulher que ele achava horrorosa e deprimente. E daí concluiu que estava mesmo no fundo do poço. Enquanto isso, sua filha Lucy, sempre independente e obstinada se rendia à submissão e violência impostas pelos negros cansados de serem injustiçados. Um livro interessante sobre vários aspectos, mas me fez pensar bastante no lado feminino das coisas. Não entendi a Lucy, quer dizer, entendi, mas não concordei.
    Vou ler Mariozinho depois! beijo!

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  6. que coisa, quando li o livro não pensei em nada disso! concordo com a fê sobre essa coisa de mulher perfeita e inatingível, porque se ela quiser tem algo errado né? chato e cansativo, indeed.

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  7. Lud,
    Meio atrasada, mas queria falar sobre o "bloqueio de dirigir" que foi citado nos comentários do post anterior. Partindo da MINHA experiência, acho que esse bloqueio tem muito a ver com o machismo. Pelo que já li sobre o problema, a maior parte das pessoas que procuram ajuda são mulheres (sei que existe um viés pq os homens, em geral, não admitem o problema, mas acho que ocorre mais com mulher mesmo). Muita gente ainda cresce com o modelo de que dirigir é coisa de homem, e eu me incluo nesse grupo, embora ninguém nunca tenha me dito isso exatamente, claro. Mas, pra começar, a gente brinca de boneca enquanto eles brincam com carrinho, não é? Além disso, na minha casa, que só tinha mulheres, ninguém dirigia. Fora crescer ouvindo que mulher não sabe dirigir... Na verdade, acho que várias (outras) coisas causam o bloqueio, principalmente o perfeccionismo e o medo da reprovação alheia (e acho que isso tem tudo a ver com uma educação repressora - que penaliza mais as mulheres). Mas acho sim que essa questão do modelo masculino, pelo menos pra mim, pesou.
    Passei um bom tempo me virando de ônibus e taxi e, inclusive, racionalizando, tentando me convencer de que estava colaborando com o trânsito, com o meio ambiente, etc. Acho que essas escolhas são muito louváveis, mas no meu caso não era escolha. E também não estou dizendo que esse seja o seu caso nem o da Juliana, que pareceram bem resolvidas com o assunto, mas eu não era não. Eu sofria muuuito por não dirigir, me causava muita frustração ficar tomando chuva em ponto de ônibus enquanto meu carro ficava parado na garagem! E eu ficava olhando as mulheres no trânsito e me perguntando porque eu não conseguia (seria competitividade feminina, também com um ranço de machismo?). Eu tinha sim uma certa vergonha de dizer que não dirigia e as pessoas cobram mesmo, incrível. Principalmente se vc tem um nível de renda razoável, elas acham um absurdo completo vc andar de ônibus. Mas o que me incomodava mesmo era a minha frustração e a sensação de incapacidade que me causava. Enfim, depois de várias tentativas furadas de tratamento (existe muuuita picaretagem nesse meio!!), parti para uma solução meio heterodoxa, que foi comprar um carro com câmbio automático (aí as pessoas tbm me criticaram dizendo que isso não é dirigir "de verdade"... enfim!). Não vou dizer que isso resolveu totalmente o problema, mas, sabendo que o carro não ia mais morrer em hipótese alguma, minha confiança cresceu bastante e eu comecei a treinar, aos poucos. Agora estou dirigindo para vários lugares e a sensação de independência e autonomia que eu tenho é boa demais!! Até penso em reduzir o uso do carro no futuro, mas aí vai ser por opção de verdade! Desculpa o tamanho do comentário... é que esse assunto ainda mexe bastante comigo!!

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  8. Oi Li, gostei do seu comentário sobre esse negócio de dirigir, eu sou a Juliana do outro post. Acho que tem muito disso sim. Outro dia conheci umas mulheres da família da minha mãe e nenhuma dirigia! Fiquei meio chocada de ver, são primas distantes, mas receberam o mesmo tipo de criação. A sua solução foi boa e me inspirou. Meu marido vai me ensinar a dirigir no carro automático. Essa semana vou testar como é, pelo menos assim saberei se tenho medo ou preguiça! :) Mas não sofro muito por não dirigir, não. Mas penso em como vai ser quando tiver filho, tudo mais corrido.:/ Vamos trocando nossas ideias! beijo!

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  9. Li, achei muito legal essa questão que você trouxe à tona, o medo de dirigir.
    Minha avó não dirigia e dizia que isso era coisa de homem, minha mãe tirou carteira de habilitação mas nunca dirigiu, já que influenciada pela minha avó (meu avô nunca interferiu) ela entrava em pânico quando estava ao volante do carro.

    Quando tirei habilitação passei cerca de 6 meses sofrendo ao dirigir, era entrar no carro e começava a suar frio, além de ficar com o coração disparado até chegar ao meu destino, morria de medo de causar um acidente, matar alguém e sempre tinha a impressão de todos a minha volta sabiam como eu dirigia mal. Mas decidi que não desistiria, nunca dirigia com meu marido ao lado, já que ele não entendia o meu medo e só me deixava pior.

    Hoje já dirijo há 5 anos e não tenho mais receios, nunca me meti em nenhum acidente e ne sinto confiante ao volante. Acredito que o fato de os meninos verem os carros desde criança e o ato de dirigir como algo natural ajuda muito, quase todos os garotos chegam à auto-escola sabendo dirigir, enquanto as meninas vão para aprender.

    Desculpem o comentário gigante, mas não resisti.

    Ilka

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  10. Achei interessante a reflexão. E a gente vê isso no dia a dia sabe? O cara tem uma certa obcessão por uma menina, e fica perseguindo ela e todo mundo acha lindo porque "é muito amor". E existe uma certa expectativa de "putz, ele faz tudo por ela, porque ela não quer nada com ele?". A mulher fica no papel de malvada só por não estar interessada, como se ela devesse ficar grata só por ele prestar atenção nela.
    Quando é o contrario a coisa muda. Mulher que corre atrás de algum homem quando ele não quer nada com ela é porque ta desesperada, devia ter mais amor próprio. Nunca que você vai ouvir alguem dizer que "é muito amor" e que "ele devia agradecer por ela estar interessada".

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  11. Isabella,
    vai pensando e me fala!

    Fê,
    acho que "ter de se fazer de difícil" é uma bomba para os relacionamentos.
    Mas no livro o Ricardito não acha que a menina má é perfeita, não: ele sabe que ela é uma peste pestíssima. Isso é que me matou.

    Iara,
    você tem razão: o personagem não jogou a vida toda fora - só a parte sentimental. E isso inclui relacionamentos em geral, já que ele tem pouquíssimos amigos e relacoinamentos rápidos e superficiais com outras mulheres.
    Quanto à parte do desejo, do meio do livro para a frente ela até se diverte com o Ricardito, mas o primeiro encontrou sexual é constrangedor mesmo. E olha que é o protagonista que tá narrando! Pra mim ficou óbvio que ela estava precisando de um amigo e não de um amante. Mas o menino bom não quis nem saber, né? Peraí, tô repensando esse apelido.

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  12. Caso me esqueçam,
    pois é, mulher ou é puta ou é santa e acabou-se.

    Ju,
    eu também, quando utilizo veículos de transporte, viajo total.
    Eu já ouvi falar do Desonra, no blogue da Lola, mas ainda não li. E depois do seu comentário tive menos vontade ainda!

    Bela,
    se a gente não prestar atenção não percebe mesmo essas coisas, porque é "normal". Blé.

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  13. Li,
    assino embaixo. A minha dificuldade tem tudo a ver com o perfeccionismo e um pai que queria me ensinar a dirigir e brigava quando eu fazia alguma coisa errada no volante.
    Eu tenho carteira (tirada depois de muita luta), mas faz anos que não dirijo. Ultimamente não tenho ligado. Só que também não tenho precisado - cidade pequena, tudo perto, e marido motorista. Vamos ver em Brasília como as coisas ficam.
    Que bom que você tá dirigindo! Fico muito orgulhosa de você. E da Ju também. É isso aí, moças!

    Ilka,
    pode escrever comentários gigantes à vontade!
    Que legal que a ansiedade passou. Eu não pensava que iria causar acidentes (exterminei dois espelhinhos retrovisores, mas nenhuma forma de vida), mas que ia me perder (sou completamente desorientada. Herdei do meu pai - minha mãe é uma bússola. E não dirige) e nunca mais me achar.

    Anônimo,
    a gente vê isso o tempo todo mesmo. Herança da crença de que o homem "escolhe" (e aí insistir mostra perseverança) e a mulher "é escolhida" (e aí ela perseguir um homem é um inversão de papéis e portanto uma aberração). Preguiça.

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  14. Obrigada, Lud! :-)
    Mas não vou dizer que foi fácil não... Ju, eu testei primeiro também, afinal, carro automático no Brasil ainda é bem mais caro, embora já existam alguns modelos com preço um pouco mais razoável. Eu peguei umas aulas num carro adaptado para deficiente, pois nas autoescolas não existe carro automático para aula convencional (já que a gente é obrigada a tirar a carteira no câmbio manual mesmo). Foi bom para "sentir" se o negócio poderia funcionar ou não. Eu percebi que ficava muito mais fácil não ter que me preocupar com tantas mudanças de marcha, fora o negócio do carro não morrer... Mas no começo eu ainda tinha medo e, por isso, fui aumentando o grau de dificuldade aos poucos. Admito que, ainda hoje, as vezes tenho vontade de evitar. Mas aí eu lembro o quanto eu já progredi e me forço um pouquinho!

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