segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Quem guarda tem

Um lema da minha vida, aprendido com minha mamãe, é "Quem guarda tem". Adoro sacar triunfante uma embalagem para embrulhar um presente ou uma caneta marcadora para disfarçar um arranhão. 

Dito isso, eu sou minimalista. Então só guardo o que tenho muita certeza de que realmente vou usar um dia. Se não for muito grande. E nem muito fácil de repor. E que eu goste muito. 

Tipo um par de botinhas forradas, de sola alta de borracha, que comprei para uma viagem onde ia encarar muito frio e talvez neve. Isso foi em 2009. Nunca mais usei. Mas também não me desfiz, porque tinha confiança e fé que um dia eu iria voltar a um lugar tão frio quanto. 

11 anos se passaram. Pessoa está em quarentena. Pessoa está sonhando com o próximo endereço (2022 na melhor das hipóteses, mas mimdeixa). Pessoa vê vídeos de países frios. Pessoa vê vídeos de roupas para países frios! Pessoa se lembra que tem botinhas forradas. Pessoa saca triunfante as botinhas forradas. Pessoa exclama: "Quem guarda tem!". 

Pessoa sai andando pela casa toda-toda, sem se dar conta de que a borracha da sola alta está em decomposição. Pessoa deixa rastro de destruição na forma de incontáveis grumos de borracha preta que grudam implacavelmente no chão de madeira do apartamento alugado, mesmo com a dedicada aplicação do aspirador. 

O Leo quase teve um troço com a sujeira. Eu fiquei indignada com o produto. Botas com míseros 11 anos de idade e três meses cozinhando em um contêiner se desfazem assim? Isso só pode ser obsolescência programada! 

Quanto à limpeza, não me abalei. Eu lembrava da dica que a Carol Z. deu aqui no blog para recuperar a borracha de trás do Kindle quando ela fica grudenta: álcool isopropílico. Saquei triunfante a garrafinha (quem guarda tem!) e eliminei as manchas horrorosas em dois tempos.  

As botinhas foram imediatamente para o lixo, sem possibilidade de resgate, pois as solas são de um formato muito específico. Suspirei vendo meus sonhos de um futuro frio e distante temporariamente desfeito e...

Saquei triunfante um segundo par de botinhas forradas, de sola alta de borracha, essas compradas no sabático, quando fomos à Finlândia e as primeiras tinham ficado no Brasil.

Termino esse post com mais um ditado, esse de meu pai: "Quem tem dois tem um; quem tem um não tem nenhum". 

* * * 

Juro que botinhas forradas de sola alta de borracha são o único item aleatório que possuo (possuía) em duplicata. Sim, eu devia ter me livrado de um deles na última mudança. Mas veja bem, quem tem dois...

domingo, 8 de novembro de 2020

Vidas alternativas

Uma diversão que eu e o Leo temos é imaginar o que teria acontecido conosco se tivéssemos tomado decisões diferentes em momentos-chave da vida. 

E se nunca tivéssemos saído de Belo Horizonte? E se tivéssemos comprado um apartamento no interior de Minas? E se tivéssemos decidido ter filhos? 

E se tivéssemos passado no concurso de oficial de chancelaria... em 2008? Foi o que abriu antes do último, que teve edital em 2015, prova em 2016 e posse em 2017.  

(Falo "tivéssemos" porque somos um time e essa carreira é um projeto conjunto. Estudamos juntos, planejamos juntos e curtimos juntos. As tarefas são divididas. Nós dois trabalhamos: eu na embaixada, o Leo se ocupando da casa e de todas as burocracias. 

Sem falar que, na véspera do concurso, o Leo insistiu em me ensinar a tabela verdade, que ele jurava que ia cair. Eu não tinha estudado raciocínio lógico, porque me acho ótima em matemática (eu sei, eu sei). Só que o Leo não deixava de ter razão: foram duas questões de tabela verdade, e graças à aulinha da véspera eu acertei as duas. Resultado da prova de raciocínio lógico: 10/10.)

Se tivéssemos passado no concurso de oficial de chancelaria em 2008, estaríamos no exterior há uma década. Por outro lado, será que teríamos estrutura para isso?

Em 2008, ainda éramos muito mimadinhos. Não tínhamos tanta consciência dos nossos privilégios. Achávamos muito natural sobrar carro e casa, ter faxineira duas vezes por semana. Se tivéssemos ido para o exterior lááá atrás, provavelmente iríamos querer replicar nosso estilo de vida, e isso ia ser sofrido, porque cada lugar é um lugar. Naquela época, ainda não tínhamos aderido ao minimalismo e à vida simples, e eu não era uma feminista prática (só teórica, o que já é alguma coisa, né). 

Digo isso porque vejo os colegas reagindo às remoções cada um dia um jeito. É muito natural que cada pessoa tenha suas dificuldades (eu também tive as minhas!). Mas percebo que há que lide melhor com as mudanças, e há quem passe um perrengue danado, principalmente quando tenta repetir sua vida no Brasil. 

Pode ser uma questão de experiência: eu recebi o resultado do concurso alguns dias depois do meu aniversário de 40 anos. Já tinha saído viajando e desapegado de objetos e aprendido a cortar meu próprio cabelo. O Leo, além de tudo isso, já tinha trabalhado 20 anos com TI e estava pronto para partir pra outra (ser "conjechan", cônjuge de ofchan).

Talvez a diferença seja achar se mudar de país a cada 3, 4, 5 anos um vantajão - ou um grande problema. 

No fim das contas, o importante é que deu tudo certo. Se tivéssemos passado no concurso em 2008, estaríamos voltando para o Brasil. Como fizemos o de 2015, temos é um bocado de tempo de exterior pela frente. Oba! 

sábado, 7 de novembro de 2020

Sapatinhos de cristal

Agora sou a orgulhosa proprietária de um par de tênis branquinhos. 

Sei que a moda de usar tênis branco com todo tipo de roupa existe há anos, mas eu nunca aderi. Primeiro que achava difícil de manter limpo (vocês conhecem Brasília e sua famosa poeira vermelha?). Segundo que, adolescente, tive um estilo Keds muito desconfortável. Para começar, não era tênis direito, era mais um sapato de lona com cadarços: não tinha palmilha, nada. Para completar, mastigava meu tendão do pé e eu, muito besta, usava assim mesmo. 

Pois bem, aqui um monte de lojas entrou em promoção em outubro. Eu e o Leo fomos comprar tênis para ele (porque os dois que ele tinha estavam se desmanchando. Não deu nem para doar: joguei fora com muita satisfação) e acabei vendo os branquinhos em vários lugares. Decidi experimentar um que fosse tênis de verdade - acolchoado e tudo. Pedi para o vendedor dois pares, ele só achou um. Ficou bom. Perguntei a mim mesma porque eu não tinha sido a primeira defensora de uma tendência tão prática E confortável. Levei.  

É verdade que, por alguns momentos, considerei ir a mais algumas lojas antes de fechar negócio. Mas o tênis que estava no meu pé era bonitinho, macio, sem logomarca evidente e, na minha opinião, em conta. O preço original era 24 dólares; com o desconto, caiu para 18. (Sim, sei que 1 dólar vai estar valendo 10 reais no Brasil daqui a pouco, mas se eu fizer essas contas deixo até de comer.)

É claro que, a primeira vez que saí com ele, meus dedinhos foram apertados e eu xinguei muito no meu Twitter imaginário. Mas, da segunda vez, ele se comportou, e nem precisei de usar aquela manha de enrolar em plástico e deixar uma noite no congelador. 

Como vocês sabem, eu não uso sapatos desconfortáveis, ponto (nem salto alto, que para mim é sinônimo). Até dou uma chance, tento duas ou três vezes, mas se não resolver, adeus. 

Ou seja, eu não daria certo como Cinderela. Mas quem quer se casar com um moço que não é capaz de te reconhecer olhando na sua cara? 

Ou não. Diz a lenda que, originalmente, o sapatinho não era de verre (vidro), mas de vair (pelo). A pronúncia das duas palavras francesas é igual.

Faz sentido, e com certeza sapatinhos de pelo (sintético, é claro - a Cinderela não era amiga dos bichinhos?) são muito melhores do que de cristal. Mas o príncipe... esse continua um bobão.