Uma das coisas mais difíceis que já fiz foi aceitar tomar remédio contra a ansiedade.
Precisei de ir a mais de um psiquiatra até encontrar um no qual eu confiasse. Isso e falar com minha mãe, que é a pessoa da área da saúde mais anti-intervencionista que conheço, que me disse: "minha filha, se você está sofrendo, tome sim".
Isso e uma conversa decisiva com o médico. "Mas se eu não ficar ansiosa, vou ficar desprotegida" (isto é, eu achava que tudo era perigoso. Se eu não soubesse mais o que era perigoso, como ia me defender?). Ele respondeu: "Você já está desprotegida. Viver é um risco."
Isso e o fato de ele ter me receitado um antidepressivo, que não causa dependência (mas causa síndrome de abstinência).
Isso e o sofrimento profundo que eu sentia toda vez que precisava entrar no carro para ir de Coronel Fabricano para Belo Horizonte, e vice-versa (três horas de viagem, estrada perigosa, curva atrás de curva). E para sair à noite na capital, mesmo se fosse de casa para o aeroporto.
Tomei, e fui muito bom. Não tive praticamente efeitos colaterais, só perda de apetite e uma leve náusea nos primeiros meses. Bem diferente de alguns testemunhos na internet - quem se dá bem com o remédio, como eu, tende a não registrar a experiência. Depois de um tempo, parei.
Isso foi em 2009. Corta para 2019.
Cheguei à Manila depois de mais de 20 horas de voo. O jet lag não passou nunca. Virou uma ansiedade exagerada não episódica, mas 24 horas por dia. Um sofrimento interminável. Logo na primeira semana, furtaram minha carteira e meu passaporte, o que não ajudou em nada. Para completar, meu chefe direto era exigentíssimo. Para completar, só consegui marcar um psiquiatra duas semanas depois da chegada (dando graças a deus que ele atendia em inglês). Para completar, o remédio só começou a fazer efeito um mês depois.
Foi barra. Como registrei aqui, em certos momentos, se me oferecessem voltar para o Brasil, eu teria voltado. Obviamente, não me ofereceram - eu precisaria pedir. E não pedi, porque sou teimosa e perfeccionista (características que, ironicamente, alimentam a ansiedade).
Hoje, estou bem.
Sim, já fiz terapia (várias vezes). Sim, já tentei técnicas de relaxamento. Sim, já meditei (e foi difícil, não consegui transformar em hábito, mas estou disposta a tentar novamente).
Quando se tem uma dor física, em geral é fácil explicar do que se trata e conseguir tratamento. A dor psíquica é muito mais complicada. São sentimentos ruins, e a gente não sabe se eles são válidos ou não. Se você não pode confiar no que está sentindo, no que pode confiar?
Nessas horas, a racionalidade não ajuda. Eu sabia que estava perfeitamente segura e que tinha competência suficiente para o trabalho. Ainda assim, o coração acelerado, o estômago revirado e sensação generalizada de medo não passavam.
Até que passaram.
Passaram tanto que, em dois momentos diferentes, decidi diminuir a dose do remédio por conta própria. É uma péssima ideia, crianças - não façam em casa. Um mês depois eu já estava toda aflita de novo e voltando para a dose inicial. E gastando mais um mês inteiro para voltar ao equilíbrio anterior duramente conquistado.
E por que estou contando isso aqui? Porque talvez alguém mais por aí esteja enfrentando essa batalha e vai se sentir menos sozinha. Porque uma das características das pessoas ansiosas é querer parecer controladas e serenas, embora estejam borbulhando por dentro (juro que, na vida real, me acham controlada e serena). Porque não é fácil, e é uma porcaria, e desabafar ajuda.
É isso.