quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Suicismos bancários

Nos filmes, a pessoa entra em um banco suíço com uma mala de dinheiro, vai com o gerente para a sala dos cofres, recebe um número de conta e uma chave e adeus. Para tirar a grana, basta saber o número do cofre e ter a chave. 

Depois de muita briga e acordos internacionais sobre lavagem de divisas, o cenário mudou. Agora abrir uma conta na Suíça é muito mais complicado. Depois de encontrar o gerente e entregar uma grande quantidade de documentos e promessas de não se envolver em tráfico de pessoas e/ou de drogas, você recebe um e-mail do banco dizendo que está enviando o contrato. 

Você responde: "seu gerente, o senhor esqueceu de anexar ao e-mail o arquivo do contrato". Ele diz: "Nãããão, o contrato vai pelo correio. Você assina e devolve... também pelo correio". A conta? Demora mais uns 10 dias para ser aberta. 

Outro interessante aspecto do sistema bancário é a instituição cartão de crédito suíço. O gerente pergunta se você quer. Você responde: "Sim". O gerente: "Com que limite?" Você: "5 mil francos?". O gerente: "Então você vai depositar 5 mil francos nessa conta especial". Você: "Mas isso é CONTRÁRIO de um cartão de crédito". O gerente: "É pegar ou largar". 

Você: "À medida que vou gastando dinheiro no cartão, esse dinheiro na conta é usado para pagar a conta, certo?". Gerente: "Nããão, você tem de pagar a conta mensal do cartão com OUTRO dinheiro". 

E aí chega o momento que você sabe que vai se mudar da Suíça para outro país e decide transferir metade do dinheiro da conta especial do cartão de crédito para conta corrente (para não ter de trazer mais dinheiros de fora e pagar variadas taxas). 

Você manda um e-mail para seu gerente. Ele não responde. Você manda outro e-mail para seu gerente. Ele também não responde. Você desconfia que ele foi despedido e ninguém te avisou. Você pede pelo aplicativo. O banco diz que faz, sim, mas vai custar 20 francos. Você diz pra irem em frente. Nada ocore feijoada. Você manda outra mensagem. Respondem que a DIMINUIÇÃO do seu limite de crédito no cartão tem de ser analisada pela equipe financeira, e que em 10 dias vão te dar uma resposta. 

15 dias depois, não te deram uma resposta. Você vai à sua agência - em horário comercial. Não tem ninguém na sua agência. Não tem sequer um botão pelo qual você possa pedir a presença de alguém na sua agência. 

Você fuça no aplicativo e descobre que seu setor de atendimento fica em Berna. Você imagina que o setor de atendimento dos clientes de Berna fique em Zurique (o que parece ser uma bela estratégia anti-barracos na porta da agência. Embora não haja ninguém na agência para testemunhar o barraco).  

Mas seu setor de atendimento em Berna tem um número de telefone. Você liga e é atendida por um suíço educadíssimo. Ele te informa que seu limite de cartão de crédito já foi reduzido. Você diz: "Ok, mas onde estão os 3 mil francos que saíram da conta do cartão de crédito? Vão cair na minha conta corrente?". Ele: "Nããão, eles foram bloqueados. Vão ser usados caso você não pague sua conta do cartão de crédito". 

Você (engasgando): "Mas o dinheiro da conta do cartão de crédito já serve pra isso". O suíço educadíssimo (caindo em si): "Vou investigar". Você fica ouvindo uma musiquinha de elevador durante dez minutos até ele retornar. Ele diz: "Liguei para o setor do cartão de crédito. Ninguém sabe o que aconteceu. Vou mandar um e-mail para eles explicando o caso. A senhora deve receber uma resposta em poucos dias". 

Você: "E se eu não receber? Esse atendimento tem um código de identificação que eu possa anotar?". Ele: "Nããão. Mas se a senhora não receber uma resposta, pode ligar de novo para este número. NO FIM DA SEMANA QUE VEM". 

Guarde seu dinheiro na Suíça, eles diziam. A Suíça é segura, eles diziam. E é mesmo. Ninguém põe a mão no seu dinheiro. 

Nem você. 

Os coloridos francos suíços. Observe que o design desse lado é vertical
- porque a gente conta dinheiro com as notas em pé. 

domingo, 7 de dezembro de 2025

Suicismos

Curiosos hábitos das terras helvéticas:

- cada saco de lixo doméstico de 35 l custa 2,20 francos suíços (13,30 reais). Tem pouquíssimas lixeiras públicas. Então...

- ...todos os objetos que são vagamente reutilizáveis são colocados em murinhos na rua para quem quiser levar. Já catei muita coisa interessante: uma luminária, duas garrafas de vinho (uma maravilhosa, a outro em estado vinagre), uma oncinha de madeira. A última foi uma latinha em formato de árvore de Natal. 

- no transporte público, não há roletas ou máquinas para validar o bilhete. De vez em quando pintam fiscais. Nunca vi ninguém ser pego sem passagem, exceto um jovem - suíço - em um ônibus (o fiscal pediu uma identidade dele para emitir a multa de 100 francos e ele sacou o passaporte vermelho).

- falando em passaporte: a Suíça emite passaportes para bebês com validade de 5 anos. A criança está quase entrando na faculdade e circula por aí com um documento com foto de recém-nascido.

- até bem pouco tempo, a mulher que se casava na Suíça obrigatoriamente perdia seu(s) sobrenome(s) e tinha que adotar o sobrenome do marido (eles só usam um). Os filhos recebiam o sobrenome do marido e ponto. Agora ela pode manter o sobrenome dela e o marido pode adotar esse sobrenome também, mas somar os dois não pode.  

- as geladeiras e congeladores são minúsculos, porque o suíço gosta de fazer compras com frequência e se alimentar de produtos frescos. Só que...

- ... tudo fecha no fim da tarde. Supermercados fecham no fim-de-semana (exceto na estação de trem e no aeroporto) e nos feriados. 

- o suíço ama fazer trilha, subir montanha, andar de bicicleta. Não tem tempo ruim: pode estar chovendo ou nevando, vai ter um suíço correndo ou levando as crianças (com suas pequenas galochas e seus mini-chapéus de chuva) para passear na floresta.

- cães são educados para não incomodarem e não interagirem. Aí de quem quiser passar a mão num doguinho: ele não vai dar bola e o dono vai fazer cara feia. Já gatos costumam ser amigáveis: como podem sair de casa e passear na rua (nunca vi uma janela/varanda com rede e há muitas escadinhas para felinos), não têm medo de humanos e gostam bem de uns carinhos. 

Levei a onça pro trabalho.

domingo, 30 de novembro de 2025

O ano acabô, gente

Incrível: segunda-feira já é dezembro. 2025 está no finzinho. Quem fez fez; quem não fez pode correr pra ver se ainda faz, mas por que deixar para amanhã o que você pode deixar pro ano que vem?

A palavra do ano foi "aceitação". Passei a aceitar mais que o mundo é assim, que as pessoas são assim, que muito está fora do meu controle (especialmente no trabalho) e é assim. Que eu sou assim. É um pouco Gabriela? ("Eu nasci assim/eu cresci assim/vou ser sempre assim.") Sim. Buscar, perseguir, ambicionar, correr atrás tem seu valor, mas uma hora dá, não dá? Até porque a vida muda a nossa vida com frequência, sem nem perguntar. Vem embutido no programa. Ainda mais no meu, que escolhi uma carreira...assim. 

A frase do ano foi  "Bora viajar?". Em janeiro fui para Brescia, na Itália, para fugir do escuro do inverno em Zurique, e para Atenas, encontrar irmã mais velha e família. Em março, à Málaga e a Madri, de onde saía o melhor voo para Belo Horizonte, onde a mesma irmã deu um festão de 50 anos. No fim de abril, Roma (de novo, de onde saía o melhor voo, dessa vez pra Xangai). A Etihad avacalhou as passagens e acabei passando o aniversário em Abu Dhabi em vez de com os amigos, mas foi legal (hotel com prainha e mais um país pra lista) e não atrapalhou em nada as duas semanas no Japão. Em maio, uns diazinhos com irmã mais velha e marido em Avignon, na França. Em julho, meu afilhado de 14 anos veio nos visitar e passou duas semanas aproveitando o verão na Suíça. Em setembro, o destino foi Rimini, na Itália, e em Amsterdã, para ver a Lu, a Lê e a Lari. Em outubro, um fim-de-semana na Eurodisney decorada para Halloween com a Fê, amiga que fez Disney College Program comigo lá em 2002, e uma semana em Londres, Cardiff e Winchester. 

A decepção literária do ano foi "Rose Field", do Philip Pullman. Phil é o autor da sensacional trilogia de fantasia "As Fronteiras do Universo" (His Dark Materials): A Bússola Dourada,  A Faca Sutil e a Luneta Âmbar. Pois bem, quase 20 anos depois ele decidiu escrever outra trilogia para complementar a primeira, com resultados no mínimo duvidosos. Ele publicou La Belle Sauvage em 2017, The Secret Commonwealth em 2019 e eu fiquei esperando impacientemente até 2025 para que ele lançasse The Rose Field, o último livro da sextologia, cuja função seria reabilitar magicamente os dois anteriores. Infelizmente, isso não aconteceu. The Rose Field é longo, chato, detalhista quando não precisa e, pior de tudo, avacalha os princípios da trilogia original (exatamente como Gladiator 2 fez com o primeiro Gladiador. Só que As Fronteiras do Universo me é muito mais querido que Gladiador, então eu senti muito mais). 

Em compensação, este ano fiz duas descobertas literárias: Tana French, que apesar do nome é irlandesa, e escreve policiais psicológicos interessantíssimos; e R. F. Kuang, escritora sino-americana jovem e produtiva (ela não tem nem 30 anos e já publicou seis livros, em diferentes estilos). Fico contentíssima com o fato de que elas ainda têm muitos anos de carreira pela frente. Da TF, sugiro começar com O Bosque da Memória (In the woods); da RFK, meu preferido é Babel - Uma História Arcana. 

Para 2025 terminar de verdade ainda temos dezembro pela frente, de fato. Mas vai passar voando: três semaninhas e estaremos quase no Natal. Aí emenda com o Ano-Novo... e já era.  

Suíça? Que nada. Shiragawa-go, a Suíça... do Japão

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

O saga do vestidinho florido

Eu tento ter só roupas confortáveis e (que eu ache) bonitas, mas mesmo assim tenho umas preferidas, e essas eu uso à exaustão. Durante anos. Até a roupa acabar. 

Pois bem, eu tinha um vestidinho florido que pretendia usar até acabar. Ele era amplo, longo, lindo, não amassava (porque já é amassado) e, o mais importante, tinha BOLSOS (nós mulheres somos muito privadas de bolsos, então quando a roupa vem com eles eu fico deslumbrada). 

No entanto, fui privada da intenção de usá-lo até acabar pelo destino. Um belo dia, voltando de viagem, coloquei o vestidinho florido na tampa de fora da mala, porque ele estava usado, e embarquei em um voo da EasyJet. Grande erro. O vestidinho florido desapareceu. 

Decidi reclamar com a EasyJet, o que é uma luta. É difícil encontrar os contatos, a plataforma de reclamações, acessar as respostas, tudo. Mas achei que valia a pena porque, na minha cabecinha iludida, a EasyJet ia pegar as gravações das áreas de bagagem, descobrir quem tinha surrupiado o vestidinho florido, exigir de volta e me entregar. 

Claro que isso não aconteceu. Depois de um longo processo de comprovação de propriedade do vestidinho florido (que incluiu fotos minhas usando o vestidinho florido e durante o qual tentei bravamente recuperar o recibo da compra no site filipino da Uniqlo, com zero sucesso, apesar da grande boa vontade deles, e tive que enviar para a EasyJet comprovantes de compras online, sendo que justamente o do vestidinho florido não tinha foto), a EasyJet não me entregou o vestidinho florido mas, farta da minha insistência, ofereceu um tanto de milhas ou vinte dólares. 

Enxuguei uma lágrima e aceitei os vinte dólares, porque as milhas oferecidas não poderiam ser usadas no site deles, mas apenas em compras telefônicas (?). E me lancei ao mar dos brechós digitais, porque o vestidinho florido era uma edição especial que a Uniqlo não vendia mais. 

Depois de muito buscar, achei, não da numeração certa. Pensei em comprar mesmo assim e reformar, mas decidi confiar que uma hora o vestidinho floral do meu tamanho ia surgir no mar de brechós digitais. 

E, um ano e meio depois, quando eu estava limpando uns links pouco usados e fiz uma última busca, ele apareceu!!!

Em um site britânico, que não faz entregas na Suíça, mas quem tem amigo não morre pagão: uma colega que mora em Londres vai receber pra mim, uma hora a gente vai se visitar, e o vestidinho florido voltará para minhas mãos sequiosas. 

E querem saber mais? A compra + entrega custou... vinte dólares. 

Bolsos! Bolsos!

sábado, 8 de novembro de 2025

São muitas (r)emoções

Aêêê! Estamos de volta àquele emocionante período que define de que maneira minha vida vai mudar. Porque minha vida muda sempre, a cada punhado de anos (o que eu acho sensacional). O que está em minhas mãos, na medida do possível, é qual será o próximo destino. 

O emocionante período é composto por vários etapas: inscrição no mecanismo de remoção, lista de vagas disponíveis, oferta de vagas, seleção de vagas, resultado do mecanismo. Isso dura dois meses. Depois é esperar a autorização para partir, e aí tenho 90 dias para puxar o carro. 

Desta vez muitas das datas não estão definidas. Mas uma, muito importante, está: 30 de junho de 2026 é o prazo final de partida. Provavelmente partirei nele, mesmo querendo ir embora antes, porque uma das peculiaridades do cantão de Zurique é que só se pode terminar um contrato de aluguel em três dias do ano: 31 de março, 30 de junho e 30 de setembro. E tem de avisar o locador com três meses de antecedência. Como é impossível que a autorização para partir saia em dezembro, o jeito é ter paciência e se programar para junho mesmo. 

Em suma, toda essa conversa para dizer que siiim, estou partindo para um novo e emocionante país, mas só daqui a 8 meses. 

Que anticlímax. 

domingo, 2 de novembro de 2025

Kaos

O mundo está o caos. Me sinto no último baile da Ilha Fiscal, tomando champã enquanto o Império rui ao meu redor. Imagino museus do futuro, em que arqueólogos discutirão quem ocupou a maior extensão territorial no pré-apocalipse, os romanos ou o MacDonalds. Fui ver a Távola Redonda e descobri que o Henrique VIII (o das 6 esposas) mandou retocar a pintura em 1522 e pintar o rei Arthur... com sua própria cara. 

* * *

Jane Austen, uma dos meus escritores favoritos (sim, a concordância é essa), fez 250 anos este ano. O Leo planejou uma belíssima viagem outonal ao Reino Unido, com paradas em Londres, Cardiff (capital de Gales - país 73, ueba) e Chawton, onde Austen viveu de 1809 a 1817, seus anos mais produtivos, quando reescreveu três livros e criou outros três. A casa virou um museuzinho caprichado, e a entrada vale por um ano, o que quer dizer que já estou planejando um retorno. 

* * * 

Voltei a tomar o remedinho mágico (escitalopram) em julho do ano passado e estou muito bem. Não é que eu não fique brava ou chateada quando as coisas não dão certo, é que consigo colocar os problemas em seu devido lugar (que é "daqui a 50 anos vamos estar todos mortos mesmo. Talvez antes"). Agora é continuar a ser usuária constante desse milagre da farmacologia e torcer para ele não parar de funcionar de repente (acontece).

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Retrospectiva 2024 em tópicos aleatórios

Melhor gelato: pistache salgado (Atenas)

Pior gelato: bacon defumado (Lyon)

Ponto mais baixo: minha mãe teve um AVC (e ficou um mês no hospital)

Ponto mais alto: minha mãe não teve sequelas do AVC 

Idas ao Brasil: 2

Países novos visitados: 6

Datas festivas: minha mãe fez 80 anos (no CTI); o Leo fez 50 (em casa); meu casamento fez 20 (no Chipre)

Idiomas estudados: francês (28 horas de aula); alemão (2 horas de aula, que me fizeram desistir de vez)

Terapia: 14 sessões online

Custo da caixa de escitalopram: 32 francos suíços na Suíça, 16 euros na Itália, 5 euros na França

Melhor Pizza Hut: Luxemburgo (com vinho branco)

Pior Pizza Hut: Baku (com molho barbecue)

Melhor drinque: Alexander (Roma). Achava que nem faziam mais

Melhor jantar: restaurante georgiano em Yerevan (que é a capital da Armênia, então sim, é irônico)

Melhor trilha: Eichhörnliweg (Arosa). Os esquilos pegam nozes na mão da gente!