sábado, 19 de setembro de 2020

Originais x cópias x genéricos

Existem os originais (com seus preços desmedidos), as cópias (com sua qualidade dúbia e sua intrínseca cafonice) e os "inspired" (que eu chamo de genéricos).

Estou falando de objetos em geral, principalmente itens de vestuário (bolsas, roupas, sapatos). 

Na internet, vi calorosas defesas dos direitos do designer. Se ele não for devidamente remunerado, que incentivo terá para criar? Logo, falsificações deveriam ser severamente combatidas, o que faz certo sentido. Mas não demorei para perceber que marcas caras, como as Arezzos da vida, copiam descaradamente os lançamentos europeus (sem dar crédito algum, claro) e vendem seus artigos a preços elevados (não tão exorbitantes quanto os originais, mas bem longe do alcance da maioria da população). Ou seja, as próprias corporações imitam umas às outras na cara dura. 

Aí, faz como? A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. Boas soluções de design não deviam ficar restritas a uma parcela mínima da população (os ricos), nem financiar crime organizado e poluir o meio ambiente (as falsificações). 

Então vamos de genéricos, uai! Boas ideias reproduzidas por outros fabricantes, sem a horrorosa logomarca. Meu All Star não é da Converse e meus óculos aviador não são da Ray-Ban. Gosto do estilo, mas não faço propaganda gratuita por aí. E paguei o preço normal para um par de tênis de lona e para óculos escuros sem grau. 

* * * 

Pirataria cultural: aprovo. Cabe aí uma longa discussão sobre autores e editoras/produtoras de menor porte. Desses eu acho que vale a pena adquirir. 

* * * 

Eu, Etiqueta

            Carlos Drummond de Andrade, 1984


Em minha calça está grudado um nome

que não é meu de batismo ou de cartório,

um nome… estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca de cigarro

que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produto

que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente,

meu copo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete,

meu isso, meu aquilo,

desde a cabeça ao bico dos sapatos,

são mensagens,

letras falantes,

gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincidência,

costume, hábito, premência,

indispensabilidade,

e fazem de mim homem-anúncio itinerante,

escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É doce estar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim-mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio,

ora vulgar ora bizarro,

em língua nacional ou em qualquer língua

(qualquer, principalmente).

E nisto me comprazo, tiro glória

de minha anulação.

Não sou – vê lá – anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

para anunciar, para vender

em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência

tão viva, independente,

que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam,

e cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa

resumia uma estética?

Hoje sou costurado, sou tecido,

sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa,

da vitrina me tiram, recolocam,

objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.

4 comentários:

  1. Olá, Lud! Espero que estejam todos bem aí! :)

    Menina, mas não estou conseguindo comentar aqui. Nunca vai!! Aí eu fico com preguiça de abrir no computador na hora, deixo pra depois e esqueço... XD Vamos ver se agora vai!

    Então, esse assunto rende tanto!! Vejo demais essa discussão em grupos de leitura e acho super válido a colocação de ambos os lados. Sempre tento adquirir meus livros por meios legais e estou evitando comprar na A*azo* (outra discussão XD), mas a gente faz o que pode, né?

    Uma coisa que eu acho legal pontuar também, e partindo do exemplo que usou, é que o consumidor mesmo nem sabe que aquilo que está comprando é uma cópia, né? Muitos sapatos, só sei que são ~inspired naquelas comparações primo rico x primo pobre ou quando dá treta e aí vira bafafá grande.

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    Respostas
    1. Sim, a gente faz o que pode! E feito é melhor que perfeito.

      Estou de boa com os inspired. As falsificações é que são mais complicadas. Mas sim, também pode acontecer de o consumidor comprar uma falsificação barata porque gostou do preço, sem saber que é uma marca considerada chique.

      Beijos!

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  2. Comprando original ou pirata, a pessoa estará fazendo propaganda para a marca igual né? Quantas marcas famosas se vê por aí, indiferente da região que se vai, sempre aparece alguém com algo que ligue à marca, e às vezes é original, outras não (isso quando dá pra ver de longe pq tem outros casos que só muitos detalhes pra se verificar). Mas a marca está lá, sendo vista e crescendo igual.

    Eu estou contigo no similar, às vezes a qualidade é bem "premium", só não tem a marca lá estampada, por óbvio, uma vez que o fabricante é outro. Já a falsificada esquece a qualidade mas a marca está lá, "em neon".

    Em tempo, no minimalismo a gente aprende a dar mais valor para as coisas e valorizar um produto, seja porque realmente a marca faz diferença e te durará anos e te deixará feliz e vivendo melhor, ou para aquele item um similar e de qualidade resolve bem. Um exemplo fora de roupas, cabo de celular. Queria um extra uma vez para deixar no carro. E o único lugar que vendia como eu queria (cabo curto) era no site da fabricante. Comprei, como era caro paguei nas 12 x sem juros e nem senti. Mas senti quando o cabo arrebentou, fiquei com muita raiva. Nem tinha terminado de pagar. Na versão falsificada que tem "linhas, primeira, segunda", eu vi um que estava a metade do preço e visualmente não identifiquei qualquer diferença visual, talvez por ser a tal "primeira linha", mas meu eu interior não deixou comprar, porque se por ventura estragasse o celular com a parca economia eu me sentiria muito mal. Comprei em uma loja num shopping (tudo isso se passou anos atrás) um que era certificado e tinha chip original da marca do meu telefone. Garantia de 3 anos dizia a caixa, uns dois já se passaram e ele está firme e forte, parece novo, é de corda também, só não tem o tamanho pequeno que queria, mas enfim, vem com um negócio de amarrar e dos três anos de garantia, uns dois já se passaram e não dá o mínimo sinal de problema! :-)

    Mas ainda nesse assunto, ruim quando tu compra uma coisa por pensar ser original e vir uma falsificação, isso vi numa parte de um documentário, sobre o controle que não se tem cem por cento... e se é uma coisa que não entendemos muito, podemos cair na maior né? Mais um ponto pro similar, além de custar menos hehe

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    Respostas
    1. Minimalismo é tudo! Imagino que existam marcas que façam jus aos preços, mas de maneira geral tenho a impressão que os valores são inflados por causa do gasto com publicidade - e também pelo fato de que alguns produtos vendem mais quando são mais caros! Sim, tem gente que quer ter um objeto "diferenciado", que a maior parte da população não consegue adquirir.

      Nossa, comprar (e pagar) por um original e vir o falsificado é de lascar. Como você disse, mais um ponto para o genérico!

      Beijos!

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