domingo, 13 de dezembro de 2020

A bolsa definitiva

Uso uma única bolsa: preta, básica, cruzada no corpo. Ela combina com tudo, é leve e confortável, e nunca perco tempo trocando conteúdos para uma outra. 

Ela só tem um problema: até o momento, os modelos que encontrei (e que estive disposta a adquirir) que correspondiam a essa descrição eram de couro ecológico. Depois de uns dois anos, elas começam a descascar, justo quando estou bem apegada a seus bolsinhos e zíperes, e não tem canetinha preta que disfarce.

Como aconteceu pela terceira vez, decidi abrir a mão e comprar uma bolsa mais duradoura. Convoquei o Leo e lá nos fomos para os shoppings, de máscara, face shield e bem na hora que eles abrem, quando estão quase vazios. 

Como sempre, a variedade na oferta de produtos femininos é de endoidar. Descartei de cara os couros sintéticos e os modelos coloridos. Fiquei de olhos nas de tecido impermeável e materiais naturais, como as leitoras deste blog recomendaram em um post antigo. 

No segundo shopping, o Leo logo achou uma bolsa bonitinha, bem a minha cara (vide abaixo). Coloquei e fui me admirar no espelho. Era de couro verdadeiro, mas fininho - logo, leve. Consultei a etiqueta: 64 dólares. Fiquei na maior dúvida. Embora a bolsa parecesse de boa qualidade, será que valeria tantos dólares?


Nessa hora o Leo me alertou que a gente estava viajando na conversão: não eram 64 dólares, ERAM 640 DÓLARES. Pelo menos resolveu a minha dúvida: não vale! 

Continuamos na labuta e mais um vez o Leo brilhou: em outra loja, achamos essa simpática bolsa: 


Ela é levíssima, tem um monte de zíperes e bolsinhos, alça regulável (a bolsa atual prestes-a-ser-aposentada tem um belo nó na alça, porque foi o jeito de acertar o comprimento), interior de tecido claro (aí dá para enxergar o que está lá dentro) e garantia de 2 anos. Ou seja, botei fé que vai durar para sempre. 

E custou menos que 64 dólares. 

sábado, 12 de dezembro de 2020

A (longa) reta final

Como a quarentena começou em março em Manila, estamos completando 9 meses cheios de restrições. Pelo menos não foi comprovada nenhuma contaminação por Covid por meio de superfícies, o que nos encorajou hoje a almoçar na mesinha de fora de um restaurante bem vazio (sendo que a única mesa próxima permaneceu desocupada). 

Há 9 meses nossa temperatura é tirada toda vez que entramos e saímos do nosso prédio e de qualquer supermercado; há 9 meses usamos máscara toda o tempo que saímos de casa (face shield: 8 meses); há 9 meses só encontramos os amigos em ocasiões ultraplanejadas, no parque, ao ar livre; há 9 meses não cogitamos sair de Manila, quem dirá das Filipinas. 

Todos esses cuidados funcionaram e estão funcionando: não pegamos Covid, nem tivemos suspeita de termos pegado. Para minha grande sorte, estive de férias bem na época em que a esposa de um colega testou positivo. Quando voltei ao trabalho ele já estava quarentenado. Ou seja, até agora escapamos de fazer o teste do cotonete que cutuca o cérebro. 

Enquanto isso, em vários lugares do mundo as pessoas se comportam como se a pandemia já tivesse acabado. Não estou falando de gente que precisa trabalhar para viver, mas a turma dos passeios, barzinhos e aglomerações. Dá vontade de copiar? Dá. Vamos imitar? Não. 

Pensamos a longo prazo. A longo prazo, ainda vamos viver muitos anos. Não vale a pena perder a paciência logo agora, quando as vacinas estão surgindo, correr o risco de nos contaminarmos e sofrermos sequelas imprevisíveis (a esposa do colega se recuperou, mas tudo ela que põe na boca está gosto de metal, inclusive pasta de dente. E isso é o de menos. Imagina ficar com pulmão comprometido? Eu só tenho um).

Mesmo com as vacinas surgindo, há um longo caminho pela frente. Vai demorar para ela ser aplicada maciçamente na população. Ou seja, estamos projetando mais 9 meses de quarentena, e imaginando que a próxima vez que vamos pegar um avião será na remoção para outro posto, no final do ano que vem. 

Estamos felizes com isso? Não. Estamos conformados? Sim.   

sábado, 5 de dezembro de 2020

A fritadeira

Quando eu era adolescente, minha mãe comprou uma Fritanella, um aparelho elétrico que prometia frituras fáceis e rápidas. Na prática, era necessário usar uma quantidade imensa de óleo e o troço era uma chatice para limpar. Minha mãe deve ter usado umas duas vezes e guardado para sempre. 

Assim sendo, vejo com muita desconfiança novidades eletrodomésticas. Quando a moda das fritadeiras elétricas chegou ao Brasil, não dei crédito nem bola. 

Os anos se passaram, estamos em plena pandemia, e o único lugar em que podemos ter aventuras é na cozinha. Pesquisamos uns modelos, vimos uns preços e, semana passada, demos de cara com uma air fryer de marca japonesa em promoção. Pronto, compramos. 

(Ok, confesso: o que nos fez dar o passo definitivo foi o fato de uma colega ter nos dado um pacote de coxinhas. Queríamos comer as coxinhas, mas não queríamos fritar as coxinhas.)

Chegamos em casa com o brinquedo novo e em cinco minutos limpamos, montamos e ligamos. As coxinhas ficaram lá dentro 12 minutos e saíram crocantes e deliciosas. Só não ficaram douradas (algo a ser remediado na próxima fornada com borrifadas de azeite).

Já fizemos batata palito, hambúrguer, linguiça, lombo fatiado, bastões de queijo. Fica tudo bom, e a cozinha continua limpa e sem cheiro. Carnes soltam água e gordura, mas é só forrar a parte de baixo do aparelho com papel alumínio que fica tudo bem. 

Não é sempre que as promessas de praticidade dos eletrodoméstico são verdadeiras (triturador de frutas e legumes? Um inferno para limpar). Mas essa fritadeira está sendo um sucesso.  

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Perdas e ganhos da pandemia

Perdi: a oportunidade de organizar um festival de cinema, um campeonato de futebol, um estande do Brasil em uma festa de países latinos. Perdi: o outono no Japão, a visita de amigos, uma temporada com meus pais e minha irmã. Perdi: 4 kg. Perdi: cabelos. Perdi: a chance de ser júri em um concurso de fantasias infantil e de participar de eventos organizados pelas embaixadas. 

Ganhei: tempo para ver seriados e ler livros. Ganhei: pratos deliciosos preparados pelo Leo. Ganhei:  oportunidades para cochilinhos. Ganhei: espinhas. Ganhei: fios brancos. Ganhei: um novo Kindle de teclas. Ganhei: grande apreciação pela casa. Ganhei: o hábito de usar máscara e face shield. Ganhei: horas sonhando com o próximo posto. 

Não perdi: a harmonia no relacionamento. Não perdi: a paciência, por enquanto. Não perdi: a vontade de viajar, mas estou tentando não dar atenção a ela. 

No fim das contas, o resultado foi positivo.  

Entretanto, observe-se, 2020 ainda não terminou. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Quem guarda tem

Um lema da minha vida, aprendido com minha mamãe, é "Quem guarda tem". Adoro sacar triunfante uma embalagem para embrulhar um presente ou uma caneta marcadora para disfarçar um arranhão. 

Dito isso, eu sou minimalista. Então só guardo o que tenho muita certeza de que realmente vou usar um dia. Se não for muito grande. E nem muito fácil de repor. E que eu goste muito. 

Tipo um par de botinhas forradas, de sola alta de borracha, que comprei para uma viagem onde ia encarar muito frio e talvez neve. Isso foi em 2009. Nunca mais usei. Mas também não me desfiz, porque tinha confiança e fé que um dia eu iria voltar a um lugar tão frio quanto. 

11 anos se passaram. Pessoa está em quarentena. Pessoa está sonhando com o próximo endereço (2022 na melhor das hipóteses, mas mimdeixa). Pessoa vê vídeos de países frios. Pessoa vê vídeos de roupas para países frios! Pessoa se lembra que tem botinhas forradas. Pessoa saca triunfante as botinhas forradas. Pessoa exclama: "Quem guarda tem!". 

Pessoa sai andando pela casa toda-toda, sem se dar conta de que a borracha da sola alta está em decomposição. Pessoa deixa rastro de destruição na forma de incontáveis grumos de borracha preta que grudam implacavelmente no chão de madeira do apartamento alugado, mesmo com a dedicada aplicação do aspirador. 

O Leo quase teve um troço com a sujeira. Eu fiquei indignada com o produto. Botas com míseros 11 anos de idade e três meses cozinhando em um contêiner se desfazem assim? Isso só pode ser obsolescência programada! 

Quanto à limpeza, não me abalei. Eu lembrava da dica que a Carol Z. deu aqui no blog para recuperar a borracha de trás do Kindle quando ela fica grudenta: álcool isopropílico. Saquei triunfante a garrafinha (quem guarda tem!) e eliminei as manchas horrorosas em dois tempos.  

As botinhas foram imediatamente para o lixo, sem possibilidade de resgate, pois as solas são de um formato muito específico. Suspirei vendo meus sonhos de um futuro frio e distante temporariamente desfeito e...

Saquei triunfante um segundo par de botinhas forradas, de sola alta de borracha, essas compradas no sabático, quando fomos à Finlândia e as primeiras tinham ficado no Brasil.

Termino esse post com mais um ditado, esse de meu pai: "Quem tem dois tem um; quem tem um não tem nenhum". 

* * * 

Juro que botinhas forradas de sola alta de borracha são o único item aleatório que possuo (possuía) em duplicata. Sim, eu devia ter me livrado de um deles na última mudança. Mas veja bem, quem tem dois...

domingo, 8 de novembro de 2020

Vidas alternativas

Uma diversão que eu e o Leo temos é imaginar o que teria acontecido conosco se tivéssemos tomado decisões diferentes em momentos-chave da vida. 

E se nunca tivéssemos saído de Belo Horizonte? E se tivéssemos comprado um apartamento no interior de Minas? E se tivéssemos decidido ter filhos? 

E se tivéssemos passado no concurso de oficial de chancelaria... em 2008? Foi o que abriu antes do último, que teve edital em 2015, prova em 2016 e posse em 2017.  

(Falo "tivéssemos" porque somos um time e essa carreira é um projeto conjunto. Estudamos juntos, planejamos juntos e curtimos juntos. As tarefas são divididas. Nós dois trabalhamos: eu na embaixada, o Leo se ocupando da casa e de todas as burocracias. 

Sem falar que, na véspera do concurso, o Leo insistiu em me ensinar a tabela verdade, que ele jurava que ia cair. Eu não tinha estudado raciocínio lógico, porque me acho ótima em matemática (eu sei, eu sei). Só que o Leo não deixava de ter razão: foram duas questões de tabela verdade, e graças à aulinha da véspera eu acertei as duas. Resultado da prova de raciocínio lógico: 10/10.)

Se tivéssemos passado no concurso de oficial de chancelaria em 2008, estaríamos no exterior há uma década. Por outro lado, será que teríamos estrutura para isso?

Em 2008, ainda éramos muito mimadinhos. Não tínhamos tanta consciência dos nossos privilégios. Achávamos muito natural sobrar carro e casa, ter faxineira duas vezes por semana. Se tivéssemos ido para o exterior lááá atrás, provavelmente iríamos querer replicar nosso estilo de vida, e isso ia ser sofrido, porque cada lugar é um lugar. Naquela época, ainda não tínhamos aderido ao minimalismo e à vida simples, e eu não era uma feminista prática (só teórica, o que já é alguma coisa, né). 

Digo isso porque vejo os colegas reagindo às remoções cada um dia um jeito. É muito natural que cada pessoa tenha suas dificuldades (eu também tive as minhas!). Mas percebo que há que lide melhor com as mudanças, e há quem passe um perrengue danado, principalmente quando tenta repetir sua vida no Brasil. 

Pode ser uma questão de experiência: eu recebi o resultado do concurso alguns dias depois do meu aniversário de 40 anos. Já tinha saído viajando e desapegado de objetos e aprendido a cortar meu próprio cabelo. O Leo, além de tudo isso, já tinha trabalhado 20 anos com TI e estava pronto para partir pra outra (ser "conjechan", cônjuge de ofchan).

Talvez a diferença seja achar se mudar de país a cada 3, 4, 5 anos um vantajão - ou um grande problema. 

No fim das contas, o importante é que deu tudo certo. Se tivéssemos passado no concurso em 2008, estaríamos voltando para o Brasil. Como fizemos o de 2015, temos é um bocado de tempo de exterior pela frente. Oba! 

sábado, 7 de novembro de 2020

Sapatinhos de cristal

Agora sou a orgulhosa proprietária de um par de tênis branquinhos. 

Sei que a moda de usar tênis branco com todo tipo de roupa existe há anos, mas eu nunca aderi. Primeiro que achava difícil de manter limpo (vocês conhecem Brasília e sua famosa poeira vermelha?). Segundo que, adolescente, tive um estilo Keds muito desconfortável. Para começar, não era tênis direito, era mais um sapato de lona com cadarços: não tinha palmilha, nada. Para completar, mastigava meu tendão do pé e eu, muito besta, usava assim mesmo. 

Pois bem, aqui um monte de lojas entrou em promoção em outubro. Eu e o Leo fomos comprar tênis para ele (porque os dois que ele tinha estavam se desmanchando. Não deu nem para doar: joguei fora com muita satisfação) e acabei vendo os branquinhos em vários lugares. Decidi experimentar um que fosse tênis de verdade - acolchoado e tudo. Pedi para o vendedor dois pares, ele só achou um. Ficou bom. Perguntei a mim mesma porque eu não tinha sido a primeira defensora de uma tendência tão prática E confortável. Levei.  

É verdade que, por alguns momentos, considerei ir a mais algumas lojas antes de fechar negócio. Mas o tênis que estava no meu pé era bonitinho, macio, sem logomarca evidente e, na minha opinião, em conta. O preço original era 24 dólares; com o desconto, caiu para 18. (Sim, sei que 1 dólar vai estar valendo 10 reais no Brasil daqui a pouco, mas se eu fizer essas contas deixo até de comer.)

É claro que, a primeira vez que saí com ele, meus dedinhos foram apertados e eu xinguei muito no meu Twitter imaginário. Mas, da segunda vez, ele se comportou, e nem precisei de usar aquela manha de enrolar em plástico e deixar uma noite no congelador. 

Como vocês sabem, eu não uso sapatos desconfortáveis, ponto (nem salto alto, que para mim é sinônimo). Até dou uma chance, tento duas ou três vezes, mas se não resolver, adeus. 

Ou seja, eu não daria certo como Cinderela. Mas quem quer se casar com um moço que não é capaz de te reconhecer olhando na sua cara? 

Ou não. Diz a lenda que, originalmente, o sapatinho não era de verre (vidro), mas de vair (pelo). A pronúncia das duas palavras francesas é igual.

Faz sentido, e com certeza sapatinhos de pelo (sintético, é claro - a Cinderela não era amiga dos bichinhos?) são muito melhores do que de cristal. Mas o príncipe... esse continua um bobão.  

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Fui tapeada

Quando eu estava na casa dos 30, achava que envelhecer era ganhar uns fios brancos no cabelo e só. Então, aos 40 e poucos, descobri que envelhecer também envolve vista cansada, queda de cabelo, pele menos elástica e perda de massa muscular. 

Até aí tudo bem. Parecia um bom negócio trocar o viço da juventude pela estabilidade financeira e emocional. Só que me mudei de país e tive um surtinho de ansiedade... que durou alguns meses.

Me senti enganada. Isso não estava combinado, Rosana!

É verdade que essa ansiedade já vinha aparecendo há uns tempos, episodicamente. Ela se aproveitou do terrível jet leg da chegada e se instalou de vez. 

Agora está tudo bem. Talvez a tal maturidade tenha servido para procurar um médico e me tratar direitinho, em vez de, sei lá, tentar me auto-medicar com chocolates. 

(Eu me auto-mediquei com chocolates, mas TAMBÉM procurei um médico e me tratei direitinho.)

Moral da história: sei lá. Mas envolve chocolates. 

domingo, 11 de outubro de 2020

Altos e baixos, digo, médios

No fim das contas, minha quarentena tem sido tranquila. Sigo trabalhando - às vezes em casa, às vezes no escritório -, não tenho preocupações financeiras e a casinha é confortável. 

Mas confesso que às vezes suspiro profundamente quando vejo no Instagram amigos que moram em outros lugares e estão bem pimpões passeando por aí. Estão certos eles (quando tomam os devidos cuidados: máscara e distanciamento social), até porque daqui a pouco as quarentenas vão voltar em todo lado e ficaremos todos emburrados em casa. 

Sei que estou reclamando de barriga cheia e, portanto, nem digo que são pontos baixos da minha rotina. São mais médios mesmo. 

Amanhã Manila completa sete meses de restrição de movimento. É a mais longa quarentena do mundo

Já foi pior: houve períodos em que só uma pessoa da família podia sair de casa, com um passe, para comprar comida e remédio. Agora podemos sair os dois e até entrar em estabelecimentos fechados, se estivermos de máscara e face shield e deixarmos os dados de contato. 

Viajar? Nem pensar. Não podemos sequer sair da cidade. E viajar é uma das coisas preferidas da nossa vida.

Umas das razões pelas quais ficamos tão felizes de vir para a Ásia foi pela facilidade em visitar tantos países interessantes. Sem falar das próprias Filipinas, com suas mais de sete mil ilhas e suas paisagens de cair o queixo. 

Não que eu ache uma boa ideia entrar em um avião neste momento. O plano era alugar um carro e dirigir até um destino não-aglomerado. Nem isso está rolando. 

Então fica aqui a minha frustraçãozinha, tão pequena diante da tragédia da pandemia. 

sábado, 26 de setembro de 2020

Minduim

Há mil anos eu não fazia um brigadeiro de panela (micro-ondas taí pra isso, né), mas voltei ao fogão por uma receita de brigadeiro de paçoca. Filipinas tem paçoca, sim senhor! Chama "peanut bar", tem cacau em pó nos ingredientes e é gostoso que dói. 

A receita leva 50 gramas de chocolate branco e 6 paçoquinhas. Beleza. O granulado é substituído por amendoim salgado triturado, e aí é que surgiu o problema. 

O amendoim que eu tinha comprado era temperado com alho. Tudo bem, imaginei - volto ao mercado para comprar o que eu preciso. Só que não tem!

Cinco marcas diferentes, cinco "classic peanuts", todos com alho. Aparentemente, aqui nas Filipinas ninguém gosta de um amendoim simplesinho. Sabores diversos há: mel, pimenta, temperado. Tem pra todo gosto, menos o mais básico. 

Resolvi fazendo uma farofinha de um mix de oleagianosas que uso para cookies. Ficou bom, mas fugiu um pouco da ideia original. 

O brigadeiro em si ficou maravilhoso: brilhante, cremoso, uma lindeza. Estou tentada a abandonar definitivamente o micro-ondas - e o Nescau local, que se chama Milo e parece Toddy.

sábado, 19 de setembro de 2020

Originais x cópias x genéricos

Existem os originais (com seus preços desmedidos), as cópias (com sua qualidade dúbia e sua intrínseca cafonice) e os "inspired" (que eu chamo de genéricos).

Estou falando de objetos em geral, principalmente itens de vestuário (bolsas, roupas, sapatos). 

Na internet, vi calorosas defesas dos direitos do designer. Se ele não for devidamente remunerado, que incentivo terá para criar? Logo, falsificações deveriam ser severamente combatidas, o que faz certo sentido. Mas não demorei para perceber que marcas caras, como as Arezzos da vida, copiam descaradamente os lançamentos europeus (sem dar crédito algum, claro) e vendem seus artigos a preços elevados (não tão exorbitantes quanto os originais, mas bem longe do alcance da maioria da população). Ou seja, as próprias corporações imitam umas às outras na cara dura. 

Aí, faz como? A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. Boas soluções de design não deviam ficar restritas a uma parcela mínima da população (os ricos), nem financiar crime organizado e poluir o meio ambiente (as falsificações). 

Então vamos de genéricos, uai! Boas ideias reproduzidas por outros fabricantes, sem a horrorosa logomarca. Meu All Star não é da Converse e meus óculos aviador não são da Ray-Ban. Gosto do estilo, mas não faço propaganda gratuita por aí. E paguei o preço normal para um par de tênis de lona e para óculos escuros sem grau. 

* * * 

Pirataria cultural: aprovo. Cabe aí uma longa discussão sobre autores e editoras/produtoras de menor porte. Desses eu acho que vale a pena adquirir. 

* * * 

Eu, Etiqueta

            Carlos Drummond de Andrade, 1984


Em minha calça está grudado um nome

que não é meu de batismo ou de cartório,

um nome… estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca de cigarro

que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produto

que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente,

meu copo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete,

meu isso, meu aquilo,

desde a cabeça ao bico dos sapatos,

são mensagens,

letras falantes,

gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincidência,

costume, hábito, premência,

indispensabilidade,

e fazem de mim homem-anúncio itinerante,

escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É doce estar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim-mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio,

ora vulgar ora bizarro,

em língua nacional ou em qualquer língua

(qualquer, principalmente).

E nisto me comprazo, tiro glória

de minha anulação.

Não sou – vê lá – anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

para anunciar, para vender

em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência

tão viva, independente,

que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam,

e cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa

resumia uma estética?

Hoje sou costurado, sou tecido,

sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa,

da vitrina me tiram, recolocam,

objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Ceguinha no more

Os oclinhos de leitura me contentaram por algum tempo, mas a alegria durou pouco porque 1) o grau não é exatamente o certo (comprei na farmácia por 2 dólares, né); 2) passou de um palmo de distância, o mundo fica embaçado. Então decidi ir à oftalmologista. 

Mil cuidados, um paciente de cada vez na clínica, face shield (que eu tive de tirar para fazer os exames, claro) e máscara. Continuo com três problemas de vista (miopia, hipermetropia, presbiopia) e tudo baixinho (a vista cansada é a mais alta, 1.5 graus). Dessa vez me conformei em fazer óculos bifocais. 

Literalmente. Saí da clínica com os óculos encomendados. Quem cuidou disso foi a médica assistente. Sacou um catálogo e foi me mostrando as opções. Segundo ela, as lentes atuais são muito confortáveis e as pessoas se adaptam em poucos dias. Veremos! (Literalmente.)

Como sou esperta, tinha levado os óculos comprados no ano passado (aqueles que mandei fazer só para miopia e que, portanto, usei bem pouco). Ou seja, a bonita armação pôde ser aproveitada. 

Hoje recebi alguns pares de lentes de contato descartáveis para testar. O curioso é que são lentes de contato progressivas! Modernidades, gente, modernidades. Aparentemente, só não vai corrigir o astigmatismo.   

Ou seja, não tenho mais desculpa: hei de voltar a enxergar como uma águia. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Férias em casa

O tempo voou e as férias chegaram. Ueba!

Férias já foram sinônimo de viagem, mas em 2020 não está rolando. Além de tudo quanto é país estar fechado para as Filipinas, as próprias Filipinas estão fechadas para mim. Até que posso sair da capital, com diversas autorizações, mas prefiro não arriscar. Sabe-se lá os efeitos colaterais que o coronavírus provocaria no meu único pulmão. 

Mas não seja por isso. Pretendo me divertir loucamente vendo seriados e filmes (não contente com Netflix e Amazon Prime, agora tenho HBO Go), lendo livros variados (sendo que estou tentada a organizar tematicamente minha biblioteca de livros digitais e apagar o que não presta. É uma tarefa hercúlea. Veremos), procurando uns cursos on-line para estudar (o que sempre me interessa) e fazendo travessuras na cozinha com o Leo (somos chefs iniciantes, mas a internet está aí pra isso). E tomando uns vinhos: é fácil encontrar neozelandeses e sul-africanos no supemercado. Não sei se são bons, só sei que gosto!

Também quero dar uns passeios pela cidade. A pé, de máscara, e levando o face shield na sacolinha para quando quiser entrar em um estabelecimento. Manila é plana, o que é ótimo, e muitíssimo quente, o que não é tão bom. A sensação térmica chega aos 40 fácil. Então, vamos fazer o que aprendemos em Singapura (onde fomos a um parque lindíssimo e... deserto. Depois de uns minutos, descobrimos a razão: era onze da manhã e basicamente cozinhamos). Na rua, só se for cedinho ou no fim da tarde.   

Vai ser ótimo!

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Tia Patinhas

O assunto consumo tem estado em alta aqui no blog. Parte da culpa é da pandemia e da eterna quarentena em Manila, mas é verdade que meu relacionamento com as compras tem se alterado um pouco nos últimos tempos. 

Pessoalmente, adoro ser pão-dura. Não só utilizo a criatividade para resolver as coisas em vez de adquirir um bem novo, como, quando preciso comprar, simplifico minha vida optando pelo mais barato. 

No entanto, esse modus operandi deixou de ter um objetivo e se tornou um fim em si mesmo. Virei Tia Patinhas total. 

Depois da remoção, o Leo foi me convencendo que gastar parte do nosso próprio dinheiro em bens que nos trouxessem conforto não era pecado, nem ia nos arruinar. 

No começo, foi difícil. Acho que tinha desaprendido a comprar. Sofria mais com a grana gasta do que aproveitava a aquisição. Ano passado, houve um episódio lendário em que fomos a quatro shoppings procurando itens de casa e saímos de mãos abanando. Nesse dia até o Leo, esse santo homem, perdeu a paciência. 

Pouco a pouco, vou me reacostumando. Começo até a achar divertidinho. Mas não esqueço as questões que me ajudaram a eliminar o consumo: não preciso nem quero estar bonita/arrumada sempre, nem tenho de acumular desnecessidades.

Livre e feliz, essa é a ideia. 

Morri e fui pro céu

Descobri que posso ir ao duty free shop do aeroporto de Manila mostrando a identidade diplomática. E mais - que ele anda deserto e em promoção, conforme um colega que esteve por lá. 

Assim sendo, achamos que seria razoavelmente seguro. Planejamos a ida para domingo, o único dia da semana em que o trânsito flui na cidade. Tomamos todos os cuidados: máscara, face shield, Grab com separação de plástico entre o motorista e os passageiros, janelas um tanto abertas para ventilar. É a primeira vez andamos de táxi desde o meio de março - foi até emocionante!

O duty free estava, de fato, às moscas (metaforicamente). Isso eu já esperava - e, se não estivesse, a gente voltava pra trás. A surpresa foi com os preços: altos pra burro! O Baileys, por exemplo, custava o dobro do que... no supermercado perto de casa. 

É bem verdade que, além do original, vi o Baileys Caramel Salé, que não encontro no supermercado perto de casa, e quis me atracar com ele. O Leo teve de me convencer que era uma compra que não valia a pena (foi inusitado: geralmente eu me convenço sozinha).

Os chocolates também estavam caros. Mas, conforme prometido, com lindos descontos: um monte de opções por -70%! Nunca vi isso, gente. Fiquei me sentindo no paraíso: duas coisas que aprecio muitíssimo, chocolate e promoção, de uma tacada só! 

E ainda achei um potinho de crème de caramel à la fleur de sel. Vou misturar no Baileys original que tenho em casa e transformá-lo magicamente naquele que não comprei. 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O terceiro Kindle

 Sou a feliz possuidora de mais um Kindle de teclas. 

Comprei na OLX filipina, que se chama Carousell, pela metade do preço de um novo. O que foi um negoção: para mim, ele é muito mais precioso que um novo, porque é a versão 4, que foi lançada em 2011 e saiu de linha há tempos. Sua grande vantagem é não ser touch: como eu carrego meu(s) Kindle(s) pra todo lado, a tela sensível fazia com eu mudasse de página (ou de livro!) sem querer com frequência. 

A moldura da nova aquisição é preta, o que quer dizer que ela não vai começar a perder a cobertura cinza nos pontos de maior uso, que é que aconteceu com os dois primeiros. Por outro lado, a parte de trás, emborrachada, fica grudenta com o passar do tempo. Este chegou assim, da mesma forma de outro que comprei para meu pai (que também adorou as teclas) no Brasil. Sem problema: cobri de papel contact preto e ficou perfeito. 

Ele foi bem pouco usado, o que dá para reconhecer pelas teclas: não emitem absolutamente nenhum som ao serem acionadas. O Kindle número 1 e o Kindle número 2 fazem um "tec" simpaticíssimo. E exigem uma minúscula fração de força a mais para funcionarem, o 1 mais do que 2. Particularmente, acho sensacional, porque me lembra a experiência de passar páginas em um livro físico. 

Sempre hesito em comprar mais de um exemplar de algo que eu goste, porque em tese a tecnologia avança e versões futuras serão melhores/mais baratas/mais eficientes. No entanto, para meu gosto, isso não se concretizou com os Kindles: cada lançamento é mais semelhante a um celular, mais diferente de um livro de papel. Pode ser ótimo para quem nasceu na era dos dispositivos, mas para mim o Kindle 4 é amor eterno, amor verdeiro. 

É por isso que faço meu estoquinho. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Aqui agora

Juro que eu estava prontinha para abandonar minha megalomania, assim como meus planos furiosos de futuro, e abraçar o aqui e o agora, aproveitando a vida e o que Manila, as Filipinas e a Ásia têm a oferecer. 

Aí veio a pandemia. 

Durante muitos períodos de minha existência, fui feliz mas achava que podia ser MAIS feliz em uma outra situação (outro emprego, outro endereço). O que, sinceramente, era até reconfortador: sempre uma razão para sonhar de olhos abertos. 

Se, de um lado, essa vontade de mudar atrapalha um pouco aproveitar o momento, por outro lado faz com que a pessoa (a pessoa sendo eu) vá atrás das coisas. Pois bem, a pessoa estava finalmente se sentindo preparada para aguardar as coisas caírem do céu quando a quarentena chegou. E ficou. E ficou. 

No começo eu gostei. Agora, 5 meses depois, estou doidinha pra sair de casa e ir a restaurantes de cuja comida eu nem gosto. 


quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Rhyka

Comprei maquiagem chique pela internet (na promoção, evidentemente) e fiquei me sentindo muito rhyka. 

Quase uma semana depois, nenhuma notícia da entrega. Concluí: "cancelaram minha compra. Vão me devolver o dinheiro".

Melhor situação: sentir-se rhyka sem gastar nada. 

* * *

No dia seguinte, os produtos chegaram. 

São bonitos e parecem bons, mas duvido que valham o preço cheio. Como aproveitei o desconto, senti-me rhyka e esperta. 

* * * 

Faz bastante tempo que não compro maquiagem além do meu básico: base em pó com protetor e batom universal. No episódio de hoje, foram adquiridos um refil da base... e dois batons ligeiramente diferentes do universal. 

Mas vejam bem, eles têm nomes como VisionAiry Gel e Modern Matte. Como resistir?

E eles estavam na promoção, gente. Na promoção! 

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A ceguinha

Até os 20 e poucos, tive muitos graus de miopia e várias lentes de contato. Operei, passei a enxergar como uma águia e vivi feliz para sempre... ou até ano passado. Da última vez que fui à oftalmologista, ela me passou uma receita de óculos bizarra: de um único problema de vista passei a ter três. Agora não sofro só de miopia, mas de miopia, astigmatismo E vista cansada. Tudo em grauzinhos pequenos, mas suficientes para atrapalhar a vida.  

E atrapalhando eles estão. Não mandei fazer os óculos bifocais que a olfta recomendou e fui levando. Aí  cometi um erro idiota no trabalho, uns dias depois fiz de novo - e concluí que era um tumor cerebral. Ou dificuldade em enxergar. Como esse último é mais fácil de resolver, decidi que ia ficar com ele mesmo. 

O ideal, claro, seria voltar a um oftalmologista e pegar uma prescrição nova. Mas já que estamos em tempo de pandemia, me contentei em ir a uma farmácia e comprar oclinhos de leitura.

Foi uma beleza. Agora consigo ver letrinhas. O problema é que a lente para vista cansada ajuda a enxerga de perto, mas embaça todo o resto. O jeito é equilibrá-los na ponta do nariz e olhar por cima deles quando é caso de ver o mundo exterior. Exatamente como mamãe faz...

Estou achando que minha dificuldade com o russo, no fim de 2018, teve a ver (na verdade, a não ver) com o tanto que a professora escrevia no quadro. Passei a entender o que acontece com crianças que são levadas ao oftalmologista pela primeira vez quando suas notas caem sem explicação. É bizarro, mas a gente não percebe que não está enxergando bem. 

Só sente que tem de fazer esforço para entender o quadro-negro e copiar - e que os colegas já terminaram enquanto você está lá tentando extrair sentido do alfabeto cirílico. 

domingo, 5 de julho de 2020

Aniversário de um ano!

Hoje faz um ano que saímos do Brasil. Os meses passaram rápido, mas quanta coisa aconteceu! 

Despachar a mudança + entregar o apartamento + embarcar para Belo Horizonte no mesmo dia. Dizer tchau para a família e os amigos. Voar para o Canadá para uns dias de férias. Chegar a Manila e começar a trabalhar no dia seguinte. Colegas novos, chefes novos, funções novas. Outra língua, outros costumes. Morar em dois hotéis e um apartamento até nos mudarmos para o lar definitivo. Receber a mudança. Organizar um festival de cinema e um mini-campeonato de futebol. Julgar um concurso de fantasias em uma escola infantil. Viajar para Taipei, Seul e Boracay. Receber um upgrade do quarto com direito a "sunset cocktail" todo dia. Passar o natal com os colegas que foram virando amigos. Passar o ano-novo com os colegas que viraram amigos. Descobrir uma dentista ótima do lado de casa. Fazer planos de férias e de trabalho e levar nas fuças pandemia, quarentena e cancelamento de voos. Ajudar muitos brasileiros a embarcarem. Fretar um voo para resgatar os que estavam nas ilhas e não tinham como chegar à capital. Despachá-los para o Brasil e dar um suspiro de alívio. Trabalhar em casa. Trabalhar de manhã em casa e à tarde no escritório. Completar três meses de isolamento. Ufa! 

Sei que vou me lembrar deste ano com muito carinho no futuro. As aflições e perrenguinhos serão esquecidos e só vão ficar as descobertas e alegrias. Não foi um período fácil, mas valeu a pena.   

domingo, 21 de junho de 2020

É uma bruta ansiedade

O único porém da minha estadia nas Filipinas é uma ansiedade terrível. Às vezes melhora (nas férias e nos fins de semana, principalmente), às vezes piora, mas está presente em quase 100% do tempo. 

Um dia conto essa história toda de depressão e ansiedade (ela é longa e, na soma final, mais positiva do que negativa), mas o que temos para hoje é o fato de que o trabalho me deixa muito tensa. 

Racionalmente, sei que não há razão para tal. Sou atenta, cuidadosa, comprometida e "de fácil trato". Só recebi elogios de todos os chefes até hoje. Tiro 100 nas avaliações e ainda ganho observações congratulatórias. 

E é aí que mora o perigo. Quero fazer o melhor possível sempre. E, se não consigo, sofro, me angustio e e me agito. Só que esse comportamento não ajuda necessariamente a conseguir os melhores resultados. Além de me atormentar, também é um tiro pé.  

Meu psiquiatra (sim, tenho um psiquiatra em Manila, e ele é ótimo), me disse que a dificuldade de diminuir o perfeccionismo é que a resposta dos outros a ele é muito positiva. Os colegas de trabalho acham ótimo que eu seja tão dedicada. O Leo volta e meia agradece eu ter passado no concurso do Itamaraty. Ou seja, é um mau hábito reforçado a cada instante. 

Pessoas razoáveis dirão: mas você pode ser uma boa funcionária sem sofrer. E podia ter sido sido aprovada em último lugar das vagas, pois não faria diferença prática. Mas para mim é difícil aceitar isso. Na minha cabecinha, só há duas possibilidades: ser a melhor possível ou não me preocupar - o que equivale a chutar o balde total. 

E tem mais: a minha personalidade está toda construída em torno do fato de ser caxias. Não foi tão difícil largar mão das preocupações com a beleza e passar para o mínimo porque, afinal, eu me acho competente. Com o consumismo foi a mesma coisa.

O que quer dizer é que o plano é reconstruir a minha identidade. Como? Não tenho ideia. 

Mas estou certa de que será a melhor reconstrução de identidade de todas. 

domingo, 14 de junho de 2020

De volta ao trabalho presencial (Diários VI)


Desde segunda-feira passada, dia 7 de junho, voltei a trabalhar presencialmente. Quer dizer, meio período - no outro meio período, continuo em home office. 

A ideia é fazer um revezamento e menos gente se encontrar (e eventualmente se contaminar) no escritório. Mas é meio bizarro, para dizer a verdade. Minhas manhãs não rendem tanto e acabo esticando o horário presencial. Devia sair às 5 da tarde, mas ando saindo às 6. Ou 7. 

O prédio e nosso andar estão todos trabalhados nas medidas de segurança. Tapete desinfetante, álcool gel, medição de temperatura. Só 5 pessoas no elevador. Mais tapete desinfetante, mais álcool gel. Máscara o tempo todo. 

As ruas da região ainda estão bem vazias. O transporte público está voltando aos poucos, teoricamente mantendo as regras de distanciamento social. Isso quer dizer que muita gente ainda não consegue chegar aonde precisa. 

Por duas vezes, acompanhei o Leo ao supermercado (agora pode). Tentamos ir em horários que estariam vazios (e acertamos). Fizemos compras rapidinho, não fiquei cutucando os produtos (que é o que eu costumava fazer, pré-pandemia) e voltamos para casa. 

A sensação que tive era de estar voltando de uma longa viagem. O isolamento social em Manila começou em 15 de março, e desde então estive obedientemente em casa, saindo só para umas poucas e necessárias idas ao escritório para consultar documentos. Agora vejo a cidade com olhos de quem retorna. 

Não é que eu tenha sentido muita falta, pois estive bem e tranquila. Mas fiquei feliz por voltar.

* * * 

Estamos em EMGQ (quarentena reforçada modificada geral). Vamos ver se nos próximos dias passamos para a fase seguinte ou voltamos um passo atrás. 

terça-feira, 5 de maio de 2020

Fim de férias + aniversário (Diários V)

Passei duas semanas de férias maravilhosas, sem compromisso nem horário. Li livros ótimos, vi filmes e séries ótimos, tirei muitas sonequinhas, fiquei acordada até a madrugada, entrei em contato com azamiga e tomei uns bons drink. Para completar, aprendi a usar o Twitter e acompanhei o seriado "Brasil - quêquitáconteceno" em tempo praticamente real (e muito desgosto. Essa parte não foi boa).

Na quinta-feira fiz aniversário: 44 anos, uma data bem bonita. Encontrei amigos e família em reuniões virtuais, recebi um monte mensagens e recadinhos, tudo isso agarrada numa garrafa de vinho branco gelado que, apesar de esforços contínuos durante todo o o dia, não consegui terminar. Fiquei feliz da vida por tanta gente ter se lembrado de mim.

Ontem, segunda-feira, voltei ao trabalho. Durante o primeiro mês de home office, a loucura do atendimento e repatriação foi tão grande que eu não tinha hora para terminar o expediente, nem fim de semana. Agora, devidamente repousada, quero organizar direitinho a rotina e os procedimentos, porque trabalho remoto não é bagunça, muito antes pelo contrário.

* * *

A quarentena começou em 12 de março; a quarentena reforçada, 15. Vai fazer quase um mês da última vez que saí de casa. Continuo bem e tranquila. E pensando que é importante que as pessoas sejam diferentes mesmo: cada hora é um tipo que lida melhor com a situação.

E falando em situação: agora que o impacto inicial passou, já começo a querer refletir sobre o futuro. Não só o meu, pelo qual não tenho maiores temores, mas os dos outros, e o que posso fazer para cooperar.

* * *

Confesso que em uma ocasião senti muita vontade de furar o isolamento: no domingo, os vizinhos de prédio organizaram uma pequena comemoração no rooftop para um casal que tinha marcado o casamento no país do noivo e foram impedidos pela quarentena.

Fomos convidados. Fiquei doida para ir. Mas pensei um pouco e percebi que seria bem hipócrita da minha parte sair de casa sem necessidade, ainda que o risco para a saúde fosse (avaliação minha, talvez incorreta) pequeno. Me senti uma Pugliesi (falei, agora acompanho as tretas no Twitter) em potencial e recusei delicadamente.

(É, também acho que os vizinhos não deviam ter se reunido, mas o que deu para fazer foi diminuir o risco de todos com minha ausência.)

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Diários do corona, parte IV

Faz um bom tempo que estou sem paciência para ficção. O último realmente bom que li foi a quadrilogia da Elena Ferrante, A Amiga Genial e seguintes.

Agora estou lendo The Fifth Season (A Quinta Estação) e estou apaixonada. Ficção científica, mundo pós-apocalíptico, universo paralelo. Personagens feminios e escritora mulher, N K Jemisin. Como a J K Rowling, do Harry Potter, iniciais em vez do nome. Provavelmente pela mesma razão: "leitores estão acostumados a (e gostam de) escritores masculinos". Afe.

Dito isso, no período em que trabalhei em casa, o Leo ajudou muito. Fez planilhas, compilou informações, pesquisou rotas. Então fico pensando no número de esposas/amantes/namoradas que deram o sangue para artistas/cientistas/políticos e jamais foram reconhecidas. Sabem aquela história, "atrás de um grande homem há uma grande mulher"?

Para finalizar: se eu fosse homem, provavelmente teria me animado a ter filhos. Afinal, a mulher vai parir, amamentar e cuidar dos mininu. Eu só ia ajudar.

Diários do corona, parte III

Eu não acho que o coronavírus seja um recado da natureza.

Eu não acredito que a pandemia veio ensinar nada para ninguém.

Eu acho que estamos todos lascados, uns muito menos lascados que os outros (e me incluo aí).

Dito isso, o ser humano é um criador de significados e um tecedor de histórias.

Se as pessoas derem sentido um sentido ao Covid-19 que deixe a vida delas mais fácil e que as torne indivíduos melhores, sou totalmente a favor.

Dito isso, estou com o Karnal: a solidariedade deixou de ser altruísmo e passou a ser necessidade de sobrevivência. Que os privilegiados (e me incluo aí) sejam um pouco menos egoístas, ou eles vão ver o resultado.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Diários do corona, parte II

Posso falar? Adoro ficar em casa. Então, para mim, passar a quarentena quietinha no apartamento não é problema, é solução.

Sei que para muita gente ficar em casa não é uma opção; que há quem viva em lugares precários e minúsculos, ou que nem tenha onde morar. Tenho consciência do meu privilégio.

Dito isso, há quem tenha o mesmo privilégio e esteja detestando o isolamento social.

Estamos em um daqueles raros momentos em que os introvertidos se sentem realizados como pessoas (nem consigo pensar em outro, para falar a verdade). O lockdown está sendo nosso carnaval e nossa micareta. Uma curtição!

É bem verdade que somente nos últimos dias estou, de fato, aproveitando o lar. Consegui uns dias férias depois de um mês trabalhando feito doida (e sem ver o tempo passar). Agora é que poderei tirar várias sonequinhas ao dia, acordar e dormir na hora em que bem entender, ler um montão de livros e ver um montão de séries, ligar prazamiga, escrever no blog. E, talvez, começar a sentir falta da rua.

Veremos.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Diários do corona, parte I

As últimas semanas foram complicadas para todo mundo (e todo o mundo). Aqui nas Filipinas, a quarentena começou no dia 12 de março e no dia 16 já virou quarentena reforçada, com praticamente tudo fechado e transportes todos suspensos.

Só uma pessoa da família pode sair de casa, para comprar comida e remédios. Essa pessoa é o Leo, que sabe chegar aos lugares e tem força para carregar sacolas pesadas. Ele vai ao supermercado uma vez por semana. Quanto a mim, estou em casa desde então, trabalhando sem parar, atendendo os turistas brasileiros que ficaram retidos nas ilhas quando os voos domésticos foram cancelados - e muitos internacionais também. 

Não teve feriado, fim de semana ou fim de expediente. Foram muitas aventuras, que incluíram fretar um avião para resgatar os brasileiros em sete regiões diferentes e que decolou sem ter permissão para pousar nos dois últimos (sim, elas foram conseguidas durante o voo) e uma quebra de isolamento para ir ao Aeroporto Internacional de Manila embarcar 34 brasileiros (de máscara e com muito álcool gel). A sorte é que os colegas de trabalho são ótimos e estivemos todos juntos nessa empreitada. Os repatriados chegaram ao Brasil neste domingo de Páscoa, então as coisas no trabalho estão mais calmas. 

Se der tudo certo, na quinta-feira saio de férias. Como a quarentena foi estendida até 30 de abril, não vou poder sair do país, da cidade ou de casa, e vai ser ótimo. Estou precisando é de cansar de descansar. 

Em suma, eu e o Leo estamos muito bem. Temos casa confortável para nos isolar, internet, tevê a cabo, livros, dinheiro para comprar comida. Temos um ao outro. Estamos tomando muito cuidado para não nos contaminarmos, nem contaminarmos ninguém. Tentamos ajudar os entregadores de comida com gorjetas gordas, os funcionários do prédio com produtos de higiene, o Projeto Bantu com doações, os vizinhos com pequenos favores. É uma gota no oceano, mas é melhor do que nada.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Operação Cabeulos

Não pinto o cabelo (tenho uns belos fios brancos e curto) e corto em casa (a irmã I. batizou o método de unicórnio: é só fazer um rabo de cavalo na testa e passar a tesoura nas pontas. Voilà, temos um corte em camadas). Mas para tais práticos e econômicos empreendimentos precisamos de um elemento essencial: cabelos.

O feminismo me libertou de muitas vaidades, o que muito agradeço. Infelizmente não consegui (ainda) desapegar de algumas exigências sociais, como a de ter um certo número de cabelos na cabeça. Diante de uma longa e acentuada queda que não se resolveu por si só (sempre uma opção antes de apelar para a medicina), decidi ir à dermatologista.

Pontos positivos: consulta barata e consultório perto de casa. Pontos negativos: não pediu exame algum, só receitou um kit de xampu e vitaminas por três a seis meses (e que eu podia comprar logo ali na recepção).

Preço do kit de xampu: 52 dólares. Preço de um mês de vitaminas: 54 dólares. Comprovação científica para a eficácia dos produtos: zero.

Vocês podem imaginar minha indignação e a indignação do escorpião que habita meu bolso (ele anda mais tranquilo aqui nas terras filipinas, mas morto não está). Agradeci a atenção, paguei só a consulta e fui para casa resmungando.

Até acho que os tais produtos têm um certo efeito, principalmente cosmético. Aí basta parar de usar para voltar tudo ao que era antes - só que estarei mais pobre, e os fabricantes, mais ricos.

Depois de refletir um pouco sobre o assunto (não muito, porque tenho mais o que fazer), decidi pela minha própria versão do tratamento: ferro quelato 50 mg por três meses, que combate a minha ferritina baixa (preço: 16 dólares) + uma poção chinesa de óleos variados que é adicionada ao xampu  (preço: 2 dólares).

O ferro eu sei que funciona (já me foi receitado por dermatologistas brasileiros umas três vezes nos últimos anos, e resolve até a ferritina baixar de novo). A poção é para dar um charme.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Luxo e sedução

Aqui em Manila está rolando toda uma opulência. O mais importante na moradia era a proximidade do trabalho, e no fim das contas alugamos um apê grande e chique a 300 metros do escritório. Eu queria um lugarzinho menor, mas 1) só tinha muito menor -  ou maior ainda; e 2) happy spouse, happy house. O Leo gostou desse, e como a manutenção da casa é com ele, batemos o martelo.

O lado bom é que o apartamento é novinho (somos os primeiros moradores) e veio todo mobiliado, com cortinas e lustres e máquina de lavar. O lado ruim é que são muitos metros quadrados para limpar, mas se o Leo não está reclamando, quem sou eu para fazê-lo.

O diabo é que as poucas coisinhas que trouxemos, como escorredor de prato, porta-detergente e lixeira, ficaram feias e pequenas diante de tanto esplendor. Aí toca a ir ao shopping para adquirir novos e bonitos, o que foi bastante frustrante no começo, porque eu não queria gastar muito (ou nada, ponto).

Com o tempo, fui me convencendo que podia abrir um pouco a mão, inclusive porque objetos de melhor qualidade vão durar mais tempo. Mas, mesmo assim, tinha horas que eu batia o pé: todos os acessórios de pia que a gente via eram caríssimos, então enrolei até acharmos lindas latinhas, que cumprem muito bem a função por um décimo do preço. E o Leo ficou encantado com as lojas de decoração e queria objetos para preencher as muitas estantes, mas consegui convencê-lo a fazer isso com porta-retratos e lembrancinhas de viagem que a gente já tinha (sim, eu me livrei de muitos souvenirs, mas alguns ninguém quis comprar na garage sale, e como eram pequetitos guardei).

A última aquisição foi um belo conjunto de panelas (Tramontina!). Valeu a pena, porque o Leo tem cozinhado assiduamente: estrogonofe, macarrão à bolonhesa, porquinho com molho de mostarda e mel. E sanduíches maravilhosos.

Confesso que ainda estou me adaptando à nova realidade. Acho que tenho uma tendência católica a achar bonito me privar das coisas (e uma tendência particular a adorar juntar dinheiro). Mas o Leo tem me convencido que gastar (moderadamente, é claro) em conforto é um bom uso de recursos.

Em conforto e em comida, claro.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Ascensão e queda

Estava eu indo para o trabalho em uma bela manhã de quinta-feira, conversando alegremente com o Leo e um colega que mora no mesmo prédio, quando tropecei em uma entrada de garagem e me esborrachei no chão.

Primeiro bati o joelho, depois a mão, e por fim a maçã do rosto na calçada. Eu nunca machuquei o rosto antes, então não tinha ideia do tanto que doía.  Querem saber? Dói demais.

O Leo me catou e perguntou se eu queria ir pro hospital. Preferi ir pra casa, que era muito mais perto. Mas andar os 200 metros não foi fácil. Foi só levantar que minha pressão, em solidariedade, caiu também. Sentei em um murinho de prédio, respirei fundo e prossegui. Aí a pressão desabou e tive que deitar no chão para não desmaiar.

Mais de um guardinha do bairro se aproximou para ver o que estava acontecendo. Dois ofereceram carona em suas motinhas para me levar para casa. Foi minha grande chance de andar de motinha mas, considerando quão grogue eu estava, tive que agradecer e recusar.

Depois de um tempinho deitada, melhorei e consegui chegar ao apartamento. Apuração dos danos: joelho esfolado (o jeans protegeu), mão ralada e o rosto intacto.

Intacto e doendo. Botei gelo e fui trabalhar. O chefe até se surpreendeu com a ausência de ferimentos, porque o colega chegou explicando que eu tinha me estatelado.

Dali a pouco o rosto começou a inchar e a ficar arroxeado. No fim do dia, eu tinha uma meia-lua lilás na bochecha direita. E um belo hematoma no queixo, que eu também bati na calçada e não percebi.

Hoje é sábado.. e o olho direito está ficando roxo.

Mas que ninguém se preocupe: está tudo bem. Onde eu bati está doendo, mas não tive dor de cabeça, tontura, nada. A queda de pressão foi por causa do susto mesmo.

Pela primeira vez na vida tenho um olho roxo.

Já posso contar que briguei na rua. Vocês precisam ver como o outro ficou.