domingo, 13 de dezembro de 2009

O Caso da Renegociação, Conforme a Revista Veja

Por coincidência, logo depois que eu falei da renegociação dos papéis no blogue, li uma reportagem publicada na revista Veja na segunda semana de setembro: "Papai não é Mamãe". A tese da matéria é que o politicamente correto "contaminou" a paternidade, exigindo dos homens um desempenho equivalente ao das mulheres no cuidado com os filhos, só que isso vai contra "os fatos da biologia."

Sério, às vezes eu acho que a Veja está de sacanagem. Fico esperando a/o jornalista gritar "é pegadinha!" no meio de uma página. Porque não é possível, gente!

Primeiro: eu queria saber quantos pais são esses que se sentem pressionados a ter o desempenho equivalente ao das mães. Números, porcentagens? Não tem. Pelo jeito, a revista "identificou" uma "tendência social" (como, mesmo?) e foi "investigar".

Ah, não, desculpe: eles fizeram uma enquete. No site da Veja. Com 820 entrevistados. Suuuper representativo, né? Opa, mas a enquete fala que os pais gostariam de passar mais tempo com os filhos. E que, quando estão em casa, raramente desempenham tarefas tipicamente maternas. Ué, mas eles não são "pressionados" a ter um desempenho equivalente ao das mães? Então a pressão não está produzindo resultado algum, né? (Obs: Mamã sempre disse que jornalista não sabia ler estatística.)

Mas continuemos. O problema de exigir comportamento materno dos pais, segundo a amiguinha Veja, é que tal exigência vai contra a biologia.

Uma piadista, a Veja. A cultura demanda mil comportamentos que vão contra a biologia. Essa não seria a própria definição de cultura? Porque se fôssemos seguir só os nossos instintos a gente estava no mato, cruzando com nossos familiares próximos e baixando o braço em quem nos aborrecesse, tipo os jornalistas de certa revista semanal.

Para comprovar a violação das sagradas leis biológicas, a reportagem prossegue com a seguinte pérola: como os níveis de testosterona (o hormônio da autonomia e da agressão) do homem caem quando ele segura um bebê, isso "reforça a tese de que o natural para um homem é ser provedor e protetor - não um trocador de fraldas". Oi? O que reforçaria a teoria seria o fato do hormônio da briga aumentar. Aí, realmente, os moços iam ser babás meio tensas. Como é o contrário que acontece, isso indica que o homem se adapta à situação de cuidador numa boa.

Aí a matéria continua, com um monte de contradições e tiros no próprio pé. Olha, as pessoas se espantam que aquele papai tenha jeito com as crianças! "O fato é que a maioria estranha quando dos homens desempenham tarefas tradicionalmente maternas. Isso é errado?" pergunta gravemente Veja. "Não", ela mesmo responde. "As regras sociais e culturais não surgem do nada. Elas têm uma origem biólógica, diz um psicólogo evolutivo americano." Ah, a escravidão e as castas estão justificadas então, gente. Origem biológica, né.

Enfim, é uma reportagem preguiçosa e mal-costurada. Quem escreveu bolou uma tese, juntou uns fatos, esqueceu de verificar se os fatos comprovavam a tese (devia ser o contrário, né? Fatos primeiro, tese depois), gastou cinco páginas, ganhou um tapinha nas costas do editor e foi embora.

E como não podia deixar de ser, o texto termina assim: "As mulheres batalharam para ter liberdade e igualdade. Mas, quanto à fraternidade com os homens, convenhamos... Não exija tanto do paizão, mamãe." Porque a culpa é nossa, né? A culpa é sempre nossa.

17 comentários:

  1. Acabei de perder meu tempo lendo a reportagem pela metade. Tadinhos desses homens! Ninguém os compreende ou respeita! E agora ainda querem exigir deles que tenham comportamentos "anti-naturais"...
    E o cínico do jornalista ainda tem a pachorra de observar que "esta reportagem, aliás, deverá causar grande indignação entre as feministas". Das feministas e de qualquer ser pensante que consiga relacionar duas frases (o que exclui o autor, obviamente).
    As bobagens são tantas, que dá até preguiça de analisar cada uma.
    Legal que dos homens entrevistados para a reportagem (num muito representativo total de quatro pessoas) apena um diz que cuidar das crianças "é um misto de obrigação e prazer", enquanto todos os outros demonstram se orgulhar da participação que têm. É óbvio e evidente que cuidar de criança É SEMPRE um misto de um monte de coisa, em que entram, lógico, prazer, mas sem dúvida dever também. Só um tapado acharia que alguém tem prazer em agüentar um moleque fazendo pirraça - ou alguém que acha que as mulheres são "naturalmente" inclinadas a fazer essas coisas, e sentem um supremo prazer de trocar fralda. Menos, né?
    Ah, o único pai que diz a adaptação "não aconteceu com naturalidade" (que adaptação é natural, meu Deus?) é o que deixa o menino pular no sofá pra foto...
    Bem, vc falou que gosta de comentário grande ;P

    ResponderExcluir
  2. Estou chocada!!!!!!!!!!!!
    Vou ler a reportagem!

    ResponderExcluir
  3. Um estudo feito por antropólogos da Universidade Harvard indica que os níveis do hormônio em homens casados são, em média, mais baixos do que em solteiros. E, entre os casados que passavam todo o tempo livre com a mulher e os filhos, sem dar chance à cerveja com os amigos, a quantidade era ainda menor. A descoberta reforça a tese de que o natural para um homem é ser provedor e protetor – não um trocador de fraldas.

    ... sem dar chence à cerveja com os amigos...
    ... SEM DAR CHANCE À CERVEJA COM OS AMIGOS??!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    aaaaaaaaaaaaaaaaaaf!!!! Quem foi o idiota que escreveu essa matéria??

    ResponderExcluir
  4. APOSTO QUE FOI HOMEM!!!! Babaca!

    ResponderExcluir
  5. Olá, estou adorando seu blog!! Uma verdadeira fonte de inspiracão.
    Sobre essa reportagem, ridícula! Atiram a flecha primeiro, depois constroem o alvo em volta. Mas reflete bem o pensamento da maioria das pessoas no Brasil. Só pra ilustrar...
    Eu moro na Suécia, meu marido é sueco e temos um casal de filhos pequenos. Na minha última visita ao Brasil todos ficavam comentando o quanto eu tenho sorte pq o maridão me ajuda tanto com as criancas. Como assim sorte?? Como assim ajuda?? Se são tão filhos dele quanto meus ele não está me ajudando em nada, apenas assumindo a sua parcela de responsabilidade, não é mesmo? Aqui na Suécia isso já é bem natural, mas no Brasil, o caminho a ser percorrido ainda é loooooongo...

    ResponderExcluir
  6. A Veja é toda uma piada de mal-gosto, né?

    Eu não sou super fã de crianças, mas o marido é. Quando o namoro ficou mais sério, tratei de avisar que se ter filhos fosse super fundamental pra ele, era melhor tentar outra freguesia, porque esse não era um assunto resolvido pra mim.

    Uns tempos atrás, brincando com as sobrinhas, ele me disse: "bem que a gente podia fazer uma dessas daqui a uns 3 anos, né?". Só que ele está prestando vestibular e eu respondi que não, não enquanto ele estivesse estudando a noite. E ele respondeu: "ué, mas eu já trabalho!". A primeira reação dele foi dizer que o papel de provedor está garantido. Daí fui explicar que, enquanto ele estiver passando as noites na faculdade ou tomando uma cerveja no bar com os amigos (que faz parte do contexto), eu não quero ficar em casa trocando fralda sozinha. Enquanto ele estiver crescendo, quero fazer minha pós, usar minhas noites pra ler, ir ao cinema, investir em mim também.

    Meu marido é um cara bacana e reconheceu o machismo dos seus planos. Agora o acordo é que filhos poderão vir quando os dois estiverem dispostos a se dedicar a este projeto.

    ResponderExcluir
  7. Lembrei de algo importante pra entender o contexto dessa matéria: a lei que vai permitir que, no caso da ausência da mãe (por ter falecido ou ter abandonado o bebê), o pai tenha direito a licensa paternidade prolongad: http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/12/09/projeto-preve-aumento-de-licenca-paternidade-em-caso-de-ausencia-da-mae.jhtm Pra mim, não é coincidência essa matéria sair na Veja na semana em que a lei é aprovada no Senado.

    ResponderExcluir
  8. A Veja é um atraso na sociedade. Não sei como ela ainda faz tanto sucesso e continua vendendo. Sera que existe tanto reaças assim no Brasil pra continuar dando ibope pra ela?

    ResponderExcluir
  9. Como diria um amigo meu: a Veja devia se chamar "veja bem". Porque, veja bem, não é assim que se escreve uma matéria. E, veja bem, não faz o menor sentido tentar explicar.

    Mas aí, veja bem, é a revista semanal mais lida no país. Putz.

    ResponderExcluir
  10. Dani,
    muito bem colocado. A revista com a matéria está aqui na casa dos nossos pais, e eu acho que vou incinerá-la antes que ela caia nas mãos do seu Mauridinho, porque senão ele vai ficar citando essas pérolas durante anos.

    Setembro,
    você acertou: foi um homem que escreveu a matéria. A "cervejinha com os amigos" entregou, né?

    Katia,
    muito obrigada! Engraçado que nosso repórter meia-boca não pensou em abordar a situação nos países em que a paternidade já foi "contaminada" pelo politicamente correto. Me conta, seu marido sofre horrores por viver "contra a biologia"?

    Iara,
    que bom que vocês se entenderam. Renegociação, né? Bem lembrada a questão da licença-paternidade. Também estou achando que não foi coincidência, não.

    Amanda,
    também não entendo o fenômeno Veja. Meus pais até que são espertinhos, e assinam a danada. Dizem que as outras são piores.

    Leleca,
    falou tudo!

    ResponderExcluir
  11. Oi, Lud!!

    Eu ando me descabelando para ler tanto blog bom que tenho descoberto ultimamente. E manter o meu. E fazer outras coisas nas horas vagas, tipo trabalhar, namorar e cuidar dos filhos. E agora você me aparece para me dar mais o que fazer.. ai, senhor.... paciência, tô te adicionando no meu reader. ;-)

    p.s. SEMPRE que leio a Veja fico de mau humor.

    bjocas
    Rita

    ResponderExcluir
  12. Bah, você não entendeu.

    Testosterona = Masculinidade.

    Logo,

    Testosterona = BOM.

    Corolário:

    Redução de testosterona = RUIM.

    ResponderExcluir
  13. Oi, Rita! Obrigada!

    Oi, Marcos! Tem razão: a matéria quis dizer que a testosterona é boa, e sua diminuição é ruim. O repórter não foi contraditório, foi só tendencioso - ao dar à pesquisa a interpretação que lhe interessava mais.
    Eu interpreto a queda da testosterona nos homens ao contato com bebês como um sinal de que, olha que interessante, não é só a mulher que sofre alterações hormonais quando arruma pimpolhos. O homem também, não é legal? E isso não vai contra toda a teoria da matéria?

    ResponderExcluir
  14. Lud, maridão é "domesticado", lava, passa, cozinha, cuida dos filhos, faz xixi sentado, e é muito feliz assim. E não é só ele não, que eu saiba aqui a grande maioria dos homens (pelo menos os casados e com filhos) também são assim. Se o repórter que escreveu essa reportagem tivesse procurado se informar melhor, teria percebido que isso tudo é muito mais uma questão cultural do que genética. O problema é que ele já sabia a que conclusão queria chegar no artigo,né?

    ResponderExcluir
  15. Katia: exatamente - o repórter concluiu primeiro e pesquisou depois.
    Eu queria saber se tem alguma pesquisa de satisfação feminina aí na Suécia... aposto que os resultados devem ser bem altos.

    ResponderExcluir
  16. Lud,
    acabei de chegar ao seu blog por uma leitora sua. Ler essa matéria foi engraçado para mim, porque meu pai foi um dos homens entrevistados.
    A melhor parte de tudo é que o filadaputa do repórter leu o livro do meu pai, conversou para caramba com ele com toda a luta de valorização da paternidade que ele teve a vida toda e fingiu que se importava/tinha escutado 15seg de conversa com ele.
    E fez essa matéria.
    Sério, eu ri muito da ingenuidade dele em acreditar em um repórter da Veja quando a matéria chegou aqui em casa.

    ResponderExcluir
  17. "testosterona (o hormônio da autonomia e da agressão)".
    Parece que essa era a definição que me faltava! Tudo que é besta que homens fazem é justificado com o hormônio, positivamente é claro. Nós mulheres somos rebaixadas por isso, tudo o que fazemos por causa de hormônio é zoado e sinal de fraqueza.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...