sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Caso da Renegociação

Uma coisa que eu percebo que está meio bagunçada na cabeça de quase todo mundo (na minha, inclusive) é como ficam os papéis das mulheres/homens depois do feminismo.

Antes era fácil: a mulher cuidava da casa, o homem trabalhava. A mulher se ocupava das necessidades dos filhos, o homem era o provedor. As pessoas sabiam o que era esperado delas, e isso era reconfortante - a não ser, claro, que você não concordasse com o papel que te davam, e aí você estava ferrado.

Acho que, nessa divisão de tarefas, o homem levava vantagem, simplesmente porque era ele que tinha o poder de decisão. Como "cabeça do casal", no fim das contas a última palavra era dele. Inclusive para terminar o casamento, porque afinal ele tinha emprego e podia se sustentar. A mulher que quisesse se separar ia viver de quê, brisa?

Então faz sentido que, nesse contexto, a beleza da mulher fosse importante. Afinal, ela tinha de agradar para conquistar e manter o maridinho provedor. Já eles não precisavam ser belos, porque eles faziam o dinheiro!

Aí veio o feminismo e a pílula, o direito ao voto e ao mercado de trabalho e a revolução sexual, e as coisas viraram de ponta-cabeça.

Em tese, deveria ocorrer uma redistribuição de tarefas, certo? Se a mulher trabalha também, o homem se livra da obrigação de ser o único provedor, e em troca passsa a ser co-responsável pela esfera privada, o lar e os filhos.

Mas não foi o que ocorreu. Em parte porque muitos homens não quiseram (e até eu, que sou mais boba, se estivesse na posição deles também ia resistir); em parte porque muitas mulheres também não. É difícil abrir mão dos papéis que séculos de civilização nos ensinaram.

Resultado: um monte de mulher sobrecarregada, "supermãe", que trabalha, cuida da casa, cuida dos filhos e ainda (desaforo!) tem de ser linda. Uns homens que acham isso ótimo, outros que "ajudam" em casa, e outros que até tentam participar meio-a-meio, mas às vezes dão de cara com a resistência da esposa, que acha que ele vai quebrar o bebê ou não dá conta de fazer as compras do mês tão bem quanto ela faz.

Tudo isso é meio inconsciente e inteiramente compreensível. Estamos todos lutando para nos ajustar às nossas novas funções. Muitas vezes a mulher que trabalha é filha e neta de donas-de-casa, que ensinam, no mínimo pelo exemplo, que ela é indispensável e insubstituível na cozinha e no berçário. Só que, quando a mulher abarca o mercado de trabalho sem querer ou conseguir se livrar dos papéis que ela já tinha, será que ela está fazendo um bom negócio? Não quer dizer que ela não dê conta: ela dá, sim. Mas a que preço? Será que ela não fica estressada e cansada? Será que ela não ensina para seus filhos homens que eles não têm de se preocupar com a esfera privada, porque a esposa dele, além de trabalhar, vai dar conta de tudo?

Tem solução para essa bagunça? Tem, sim. O jeito é renegociar os papéis. O que é chato, trabalhoso, confuso e muitas vezes frustrante? Ô, se é. Mas, sinceramente, eu não vejo outra saída.

Renegociar significa, claro, dar um passo atrás e analisar o que a gente faz, o que a gente não faz, qual o sentido desses atos e o que funciona pra gente. Mas não precisa ser tudo de uma vez: é um processo. E também significa escutar o outro e suas razões e sentidos.

É difícil, mas eu acho que funciona.

* * *

PS: a renegociação também é interna: agora que eu, mulher, trabalho e sou dona do meu próprio nariz, será que a minha aparência continua tão importante assim? Eu preciso ser bela? Por que a minha rotina de beleza é tão mais trabalhosa e toma tão mais tempo do que a rotina de beleza dos homens belos? O que ela me impede de fazer (molhar o cabelo por causa da escova, correr por causa dos saltos, estudar mais uma hora porque as unhas devem ser feitas)? Posso me expressar por outras maneiras além de por meio da minha aparência? O que aconteceria se eu ficasse (gulp!) feia? Eu ia perder amigos, emprego, marido? Já me ocorreu que a minha definição de "bela" talvez seja diferente da definição deles?

Olha, eu não estou dizendo que você é feia-boba-chata porque você é vaidosa, e eu sou esperta-legal-feminista porque estou tentando não ser. Só estou pedindo pra gente refletir sobre o assunto.

11 comentários:

  1. Concordo!!!!
    Deixa eu ver a foto da nova Lud, pra confirmar se ela realmente deixou as amarras pra trás a ponto de se submeter à olhares criticos de leitoras assíduas sem se preocupar se alguém achou o cabelo dela feio!!!
    ps: tudo isso foi só um pretexto pra ver o cabelo Odette Roitman...

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  2. Ei, Lud!
    No meu caso, a renegociação interna mais difícil é tentar me livrar do sentimento nada racional mas muito presente de que devo buscar sempre agradar os outros e ser querida. Eita coisa cansativa, viu? Essa noção de revista feminina que a gente deve estar sempre ficando mais bonita e atraente tira muita energia da gente, e acaba não sobrando para a gente fazer coisas que realmente nos interessam, e para nós mesmas.

    Difícil, né? Mas vamos que vamos ;)

    Um beijo!

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  3. Oi, Ludmila. Td bem?

    Acabei de chegar no seu canto por indicação no blog da Lola. Muito bacana sua visão, sua transformação, sua libertação. Mas, você sabe que eu sofri preconceito de algumas feministas porque eu uso batom e gosto de usar lápis no olho? Bem, isso não faz e nunca fez de mim menos feministas que elas. Aliás...acho até que eu sou mais ativa do que elas...enfim.
    Parabéns pelos textos.
    Abraços
    Fer

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  4. Uma coisa que eu acho que atrapalha horrores eh quando alguem diz que Fulano "ajuda" na casa. A escolha da palavra jah deixa claro que a obrigacao de todas as tarefas domesticas eh da mulher, e que o homem estah dando uma forca (olha soh como ele eh bacana!) Portanto para mim a primeira coisa a fazer, que eh bem facil, eh parar de usar essa palavra para sempre.

    Outra coisa eh que na hora do vamos ver, a responsabilidade de ser o provedor da casa ainda eh do homem, e convenhamos que as mulheres adoram isso. Uma mulher pode ganhar pouco, que nao eh uma fracassada (eh soh alguem que estah "correndo atras dos seus sonhos"). Ela pode ficar um tempo sem emprego que o mundo nao acaba. Em outras palavras, quando chega na parte da grana, na maior parte das vezes a mulher ainda eh vista como aquela que "ajuda" no orcamento. O que eh tao conveniente quanto o caso dos homens "ajudarem" nas tarefas domesticas.

    Acho que o que a gente quer eh dividir a responsabilidade nessas duas areas, o que nao eh nada facil (quem vai dar o primeiro passo?), mas seria otimo.

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  5. Ei, Lud. Parabéns pela iniciativa e pela criatividade. Estou adorando ler aqui as suas experiencias e fico muito feliz de vc ter decidido conta-las para nós. Seja bem vinda à terra dos cabelos curtos, vulga praticidade. Essa avaliação da beleza feminina foi ótima. Porém o q a mídia faz conosco hoje vai além do "ser bonita para arrumar marido", é ser bonita para ser eficiente, ser bonita para ser inteligente, ser bonita para ter mais oportunidades e por ai vai. Eu, que já usei dreads como forma de externar minha oposição aos cabelos lisos e a esses valores meio distorcidos de beleza única e no padrão, já perdi oportunidades de receber bolsas de estudos pq meu cabelo nao se adequava ao perfil da turma. Como se meu cabelo (leia-se corpo, cara, maquiagem, salto) definisse minha capacidade intelectual. O mais triste é que a grande parte das mulheres concorda com isso. E se tem uma coisa mais eficiente do q o grupo opressor ditar as regras é o grupo oprimido ser cumplice e entusiasta. abraços!

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  6. Setembro,
    conforme prometido, te respondo no próximo post! De qualquer jeito o cabelo não tá mais Odette, eu lavei e a crista abaixou =D.

    Fê,
    o que aconteceria se você parasse de agradar as pessoas? Será que elas deixariam mesmo de gostar de você? Que tal fazer o teste por, digamos, uma semana?

    Fer,
    é muito chato sermos julgadas pela nossa aparência, qualquer que seja ela. Uma das coisas que eu acho que o feminismo está me ensinando é justamente ver além dela.

    Barbara,
    exatamente: usei a expressão "ajudam" em casa de propósito. Engraçado essa questão da mulher "ajudar" com o orçamento. No meu círculo de amigos/conhecidos elas não ajudam, não: participam igualitariamente ou ganham até mais que os maridos (já eles, por sua vez, não é sempre que põem a mão na massa em relação às tarefas domésticas). Mas não duvido que a realidade da maior parte das pessoas não seja essa. O jeito é renegociar, né?

    Larissa,
    adorei a idéia dos dreads. E como é odioso o fato de ser diferente do padrão ter te privado de oportunidades.

    Sim, acho que muitas mulheres não enxergam a opressão. E acabam sendo grandes promotoras do sistema.

    Beijos!

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  7. A Bárbara tem toda a razão. Sou filha de uma dona-de-casa que, por mais que tivesse a manutenção da casa e a educação dos filhos como principal educação, nunca se sentiu minimamente constrangida a delegar tarefas para o meu pai. Cresci vendo o meu pai lavar a louça, fazer faxina, passar roupa...
    Mas é engraçado porque apesar do exemplo familiar, de trabalhar tanto quanto meu marido, e apesar de ter como marido um cara que faz tudo na casa sem precisar pedir "ajuda", às vezes, inconscientemente, acabo agindo como se a maior rsponsabilidade fosse minha. Me pego agradecendo quando chego em casa e louça do dia anterior está lavada. Sorte que ele é primeiro a perguntar: "obrigada pelo quê? eu moro aqui também, esqueceu?".

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  8. Iara,
    que legal isso ter acontecido na sua família. Na minha, embora tanto minha mãe quanto meu pai trabalhassem, minha mãe é que era responsável por todos os cuidados do lar.
    A sorte é que é sou preguiçosa e não absorvi nada disso.

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  9. Lud, eu tirei a sorte grande: o marido divide as tarefas de casa. Só não consegue cozinhar (Quando tentou foi um quase-incendio), mas estende roupa, passa aspirador, arruma a casa, guarda roupas, dá comida pros gatos. O mais pesado quem faz é a nossa faxineira, mas no resto, eu e ele dividimos. Quem chega mais cedo ou menos cansado limpa; o outro descansa.

    Sobre vaidade: adoro fazer as unhas, gosto de deixar meu cabelo bonito. É uma vaidade minha. Ninguém nunca me disse que minhas unhas estavam feias, quando sem fazer. Mas eu olho as cutículas e não gosto. Aí pinto, coloco esmalte da cor que gosto, me divirto. Mas é pra mim, e não pro marido. Ele, felizmente, não diz uma palavra se estou sem esmalte, descabelada ou com a depilação "vencida". =)

    Mas isso é raro, né? :(


    Beijo!

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  10. Eu acho impressionante como tem um monte de gente pensando a mesma coisa. Quer dizer, eu botei um texto com uma base muito parecido com a sua uns dois meses atrás. Se eu penso assim e você também - e, veja, nem te conheço -, alguma coisa realmente deve precisar mudar. Ou a gente tem o mesmo analista e não sabe, hahahahaha!

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  11. Oi, Gabi! Você tem sorte e eu também. Mas não devia ser sorte, né? Devia ser um direito de toda mulher.

    Leleca, também acho: alguma coisas precisa mudar urgentemente. Eu não estou fazendo análise, mas curiosidade: o que seu analista acha do assunto?

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