sábado, 30 de janeiro de 2010

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Caso da Beleza e da Feminilidade

Deixa eu explicar: eu quero ser bonita e feminina, sim. Mas quero ser bonita e feminina nos meus termos: de cabelo curto, de calça comprida, de sapato baixo, de unha sem esmalte, de rosto sem maquiagem, mandona, briguenta, teimosa, pão-dura, trabalhando enquanto o Maridinho estuda, sem saber cozinhar, sem ligar pra criança, sem ver novela, sem chilique, sem frescura, e achando que todo mundo pode ser o que quiser do jeito que quiser também.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Caso da Infantilização

Já li em mais de uma revista que os cabelos louros fazem tanto sucesso porque muitas crianças nascem de cabelo claro, que escurece depois. Logo, a lourice seria um sinal de juventude. (Nem vamos discutir o fato de que o fato só deve ser verdadeiro para europeus não-ibéricos e descendentes. Na maior parte do Brasil acho que não acontece muito.)

Rigorosamente falando, cabelo louro, nesse contexto, não é bem sinal de juventude, né? É sinal de infância mesmo, ou no máximo de pré-adolescência. Aí fiquei pensando como muitos dos rituais de embelezamento aos quais a mulher atual submete seu corpo, ao fim e ao cabo, servem para torná-la semelhante a uma criança.

A depilação deixa pernas, axilas e virilha totalmente livre de pelos – isso quando não elimina os pelos púbicos também, o que parece que está na moda. Os hidratantes fazem a pele do corpo ficar fina e macia. Os ácidos e vitaminas exterminam rugas, manchas e marcas de expressão. A maquiagem deixa a pele do rosto uniforme, aumenta os olhos, alonga os cílios, colore os lábios. A tintura esconde os fios brancos e os condicionadores deixam os cabelos sedosos.

Uma ou outra coisa seria inofensivo. Tudo junto fica meio assustador.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Caso dos Passatempos

Ando percebendo que eu passava um certo tempo da minha vida lendo revistas femininas, vendo programas de celebridades, assistindo a séries de transformações e navegando em sites de moda.

Era um jeito de passar o tempo, e tão válido quanto qualquer outro (exceto pelo fato de que eu cheguei a acreditar que eu realmente precisava ter uma bolsa Chanel 2.55 e perder dois quilos. Mas deve ter gente que não é tão influenciável quanto eu.) Agora que não estou me interessando mais por essas coisas, eu teria ficado com bastante tempo livre, e talvez não soubesse o que fazer com ele. A sorte é que em fevereiro vou para a Austrália no intercâmbio profissional de um mês, e decidi estudar sobre o Brasil para não passar vergonha lá fora.

Eu fui uma boa aluna na escola (bem caxias e bem-comportada), e fiz provas abertas de Geografia e História no vestibular (e passei). Então eu devia saber alguma coisa a respeito. Mas a verdade é que, se eu soube, já esqueci quase tudo. Estou achando meus estudos a maior novidade.

Talvez simplesmente os livros de 15 anos atrás fossem chatos e burocráticos, e os de hoje sejam muito mais dinâmicos e críticos. Talvez eu esteja mais madura e mais culta agora. Só sei que estou me divertindo um bocado, e não me lembro de ter me divertido com as matérias do segundo grau.

Enfim, a conclusão a que eu cheguei é que, se a gente quer mudar de vida, tem de mudar de vida. Seria muito mais difícil abrir mão dos intensos cuidados estéticos femininos se eu continuasse assistindo a todos os programas que dizem que a aspiração maior da mulher é à beleza, com intervalos comerciais que dizem a mesma coisa, e ainda dão a receita do sucesso. A verdade é que coisas que antes me divertiam, como “o tapete vermelho do Oscar”, hoje me deixam irritada – por que as atrizes têm de se embonecar feito loucas, e os atores podem usar ternos/smokings, às vezes nem fazer a barba, e está bom?

(Uma vez vi um especial sobre como as atrizes se preparam para os grandes eventos: dieta rigorosíssima, exercícios em nível militar, tratamentos estéticos de montão e, como a magreza corporal hollywoodiana deixa o rosto encovado, dá-lhe injeções de silicone para tirar o aspecto de refugiado de guerra. E depois tem todo o drama do vestido, do sapato, da maquiagem, do cabelo, das jóias etc. etc.)

Então hoje em dia eu não vejo mais tapete vermelho do Oscar, nem Esquadrão da Moda, nem E!Special, sabe? Porque não me acrescenta nada. Ao contrário.

E além disso eu tenho um monte de outras coisas legais pra fazer!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Caso da Fábula das Três Irmãs

Era uma vez três irmãs sobre as quais recaiu a maldição dos transportes.

A irmã mais velha foi visitar a sogra, rodou na estrada e chamou o reboque. Pegou outro carro, descobriu na estrada que estava sem os documentos, voltou ao ponto de partida. O carro que foi para o conserto não fica pronto, nunca.

A irmã mais nova saiu dos Estados Unidos numa quinta-feira à tarde e só chegou no Brasil no domingo na hora do almoço. Enfrentou neve na estrada, conexão perdida, falha mecânica, mala extraviada e motorista de táxi que se perdeu no caminho.

A irmã do meio foi passear e o motor esquentou, muito. Mandou para a oficina, trocou o selo do cabeçote do motor e fez revisão. Três dias depois pegou a estrada e a bateria pifou num ponto em que não havia sinal de celular. Ela e o Maridinho pegaram carona até o trevo da cidade mais próxima, ligaram para o seguro e ficaram esperando o reboque sob o sol escaldante das três da tarde. Foram para a oficina autorizada e bancaram uma bateria nova. Seguiram viagem e a bateria pifou de novo dentro da cidade. O mecânico seguinte diagnosticou que o problema não era a bateria, mas o alternador.

Todos os eventos acima ocorreram no espaço de um mês.

Não sei exatamente como foi com as irmãs mais velha e mais nova, mas a irmã do meio ficou muito feliz com suas roupas práticas, seus sapatos confortáveis e seu cabelo curto quando teve de se enroscar em cima do Maridinho em cima do banco do passageiro de uma Fiorino para chegar ao lugar que pegava celular, caminhar um bocado na estrada e esperar socorro no meio do nada, tudo isso numa temperatura acima dos trinta graus.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Caso dos Cuidados sem Fim

Uma coisa que sempre me irritou, mesmo quando eu era uma vaidosinha de marca maior, era que as atividades de embelezamento eram um suplício de Tântalo, ou um trabalho de Sisífo, ou simplesmente um trololó sem fim.

Você faz as unhas, elas descascam. Você depila, os pelos crescem. Você pinta o cabelo, a raiz aparece. Você faz exercício e dieta, e tem de ser pra sempre. Você quer seguir as tendências, então tem de fazer compras a cada lançamento da estação.

Se fosse isso, até que estava bom. Mas não é. Unhas se quebram. Pelos encravam. Cabelo resseca. Dieta irrita. Roupas não combinam. Ou seja, você não só tem de cumprir um monte de rituais: tem também de encarar os efeitos colaterais!

Uma das minhas maiores decepções foi depilar as pernas com cera. Doeu pra burro. Imediatamente, a pele ficou cheia de pontinhos vermelhos, nos lugares em que os pelos foram arrancados. E sobraram alguns que eu tive que tirar com pinça.

Quando eles começaram a crescer de novo eu corri no salão, ao que a depiladora me disse, cheia de piedade: “não cresceu o suficiente para a cera agarrar”. Ou seja, existia um período que eu já não podia usar saia, mas ainda não podia me entregar a tortura de novo. E isso tudo antes dos pelos começarem a encravar horrivelmente, e eu não usar roupa curta de jeito nenhum.

A coisa ficou tão feita (literalmente) que até minha mãe, aquela mulher sem vaidade e contra intervenções estéticas, concordou em me levar no dermatologista. Que era um dermatologista clínico competentíssimo que, se eu não estava morrendo, achava que eu estava ótima (e me dizia isso toda vez que eu reclamava de uma espinha. Ele se importava era com borbulhões e alergias fatais). Que me disse, muito simplesmente, que a solução era parar de depilar. O que me indignou grandemente, é claro.

Resumo da ópera: alguns anos de sofrimento após a primeira depilação, parei num endocrinologista que me botou na pílula. Pro resto da vida, porque se parar, os pelos engrossam de novo. (Na época, confesso que achei ótimo, porque já estava namorando firme.)

E lá me fui tomar hormônios, cheia de alegria. O tratamento demorou meses para realmente fazer efeito (nos quais eu devia, diariamente, expor minhas pernas ao sol e passar uma loção pegajosa com ácido salicílico), mas finalmente funcionou. Dei sorte da pílula não ter me provocado nenhum efeito colateral.

Mas é fogo, né? A bula do remédio anuncia que ele é eficaz contra doenças causadas pelos hormônios masculinos produzidos pela mulher. Pelo é doença, galera.

Ok, admito que eu não gostaria de ter bigodes. Mas gostaria muito de viver em uma sociedade em que eu não precisasse ter arrancado meus inofensivos pelinhos da perna, pra começar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Caso dos Gêneros

Percebo que de vez em quando escrevo “mulheres isso... homens aquilo”. E isso acaba colocando os gêneros como opositores ou rivais. Não é essa a minha intenção, e também não acho que seja uma solução.

Às vezes estou questionando as imposições sociais sobre as mulheres e alguém me diz: “ah, mas hoje os homens também estão vaidosos! Eles andam se preocupando muito com o visual!” Bem, isso não resolve. A idéia não é ferrar com os homens e fazer com que eles virem escravos das preocupações femininas. É libertar todo mundo – até para todo mundo se vestir e se maquiar como quiser, se quiser. É franquear às crianças de todas as cores de olho todas os tipos de aula.

E aí a coisa passa pela descontrução dos gêneros, né? Porque se tanto mulheres quanto homens podem explorar e desenvolver tanto as qualidades [consideradas pela sociedade como] femininas quanto as [consideradas pela sociedade como] masculinas, deixam de existir aqueles perfis pré-ordenados. E cabe a cada um decidir o que é bom para si.

Aposto que aí vai ter gente dizendo: “Ah, mas aí vira uma bagunça!”. Sei não. Acho que os países nórdicos são assim, ou pelo menos tentam, e tudo funciona muito bem.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Caso dos Sapatos Confortáveis

Já faz uns bons anos que decidi que não usaria mais sapatos desconfortáveis. Lembro exatamente como foi: eu tinha acabado de passar uma tarde no fórum pipocando de uma secretaria para outra, como boa escragiária que se preze, e meus pés doíam horrivelmente. Culpa do sapato de verniz de salto alto e bico fino que eu achava, à época, indispensável ao meu sucesso como advogada em botão.

A partir de então, só comprei sapatos sem saltos exagerados e sem bico de matar barata no canto – para trabalhar. Os sapatos de sair podiam me deixar um palmo mais alta e esmagar meus dedinhos, porque afinal em eventos a gente fica a maior parte do tempo sentada. Não importava que eu chegasse em casa e arrancasse os malditos já na portaria, e fosse descalça e gemendo até o elevador, e provavelmente pisasse em alguma lesma no caminho.

Ultimamente tenho repensado isso tudo. Ontem repensei mais ainda: o carro estava na revisão, e eu andei uns bons quinze minutos com o sol do meio-dia na cacunda e a temperatura nos 30º C para almoçar. Com o maior bom-humor. Simplesmente porque eu sabia que o carro podia não ficar pronto e fui trabalhar de tênis (um tênis de couro preto que engana bem). Se eu estivesse usando uns dos meus pseudo-confortáveis sapatos de trabalho, que só se comportam em pequenas caminhadas do tipo carro-escritório, com certeza eu teria resmungado e reclamado e xingado o mecânico até a quinta geração.

A minha conclusão é que o conforto, ou falta de desconforto, é diretamente proporcional ao bem-estar e à disposição. Já ouvi homem reclamando que mulher é fresca – mas como não ser fresca com instrumentos de tortura nos pés, roupas que limitam os movimentos, cabelo que não suporta umidade e o mau-humor resultante disso tudo?

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Caso do Terno

Acho que todo mundo já ouviu a frase: "Todo homem fica bem de terno". E acho que fica mesmo. É uma roupa sóbria, inteiriça, que cobre o corpo todo e não marca nada. Além disso, o terno tem outras vantagens: é só trocar a gravata e a camisa que o visual se transforma. É adequado para congressos, festas, funerais, empregos formais, restaurantes finos e aparições públicas.

Cadê o meu terno? Cadê a roupa que não exige que eu não esteja depilada e em forma? Cadê o visual próprio para qualquer ocasião, sem frescura de "durante o dia, tecidos leves e cumprimentos acima do joelho" e "durante a noite, brilhos e jóias são permitidos e encorajados"? Cadê as vestes que significam poder, competência e seriedade, que não destacam meus caracteres sexuais secundários, e que mostram que eu levo a sério tanto o trabalho quanto as celebrações?

Não tem. Não me falem que existe terninho feminino ou tailleur, porque não é a mesma coisa. Primeiro porque eles são ajustadinhos no corpo. Depois porque eles existem em muitas cores. Terceiro porque só dá para ir a um casamento noturno de terninho se ele for de um tecido exótico e brilhante. Eu não posso ter quatro ou cinco terninhos em variações de preto e cinza, um monte de camisas, e considerar que é um guarda-roupa completo.

Mas eu posso tentar, certo? Me aguardem.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Caso da Volta à Infância

Ando me lembrando de um tempo ótimo de minha vida em que também tive cabelos curtinhos: a infância.

Acho que fui muito feliz até os 8 anos, quando me tiraram de um colégio alegre e colorido e me colocaram em um cheio de regras e probições. Esse não foi o problema (eu sempre gostei de seguir as regras e ser uma boa menina - minhas irmãs me chamavam de “sistema”, lembram?). O problema é que ninguém me contava as malditas regras, e os coleguinhas malvados da segunda série – é com você mesmo que eu estou falando, Juliana N. – riam de mim toda vez que eu fazia alguma coisa “errada” (como chamar a professora de “tia”, escrever em duas linhas no caderno, não saber fazer polichinelo ou cantar o hino da bandeira), ao invés de me falar o que era “certo”. Solidariedade zero.

Na época eu era uma criança muito séria e digna e ficava desesperada quando riam de mim. O resultado é que virei uma aluna retraída e sem amigos, que passava o recreio lendo livros que eu trocava diariamente na biblioteca. O que foi muito bom para minha formação cultural, mas péssimo para minha vida social.

Mas eu divago. O que eu queria dizer é que, quando criança, eu tinha cabelos curtinhos e vários shorts idem que eu adorava. Eu nunca tive muita coordenação motora, mas amava correr e pular (o resultado sendo que eu estava sempre cheia de manchas roxas). Os shorts me davam mobilidade total.

Lá pelos 12 anos meu cabelo tinha crescido até o ombro. Minha mãe e minhas tias decidiram que eu já era mocinha e passaram a me obrigar a usar umas roupas ridículas para ir a eventos. Me lembro especialmente de um conjunto listrado de amarelo e preto. A saia era justa e curta e de malha. Eu a odiava. Com saia justa e curta não dá pra correr e pular, ou sentar no chão, ou ficar de perna aberta. E como eu era uma tábua, também não vi vantagem estética alguma no modelito.

Talvez, se eu tivesse tido um irmão, eu teria percebido a diferença de tratamento e chorado e rangido os dentes: “por que o Joselito pode usar short e eu não?”. Mas eu não tive irmão. Então me conformei com a roupa de abelhinha e a bolsa a tiracolo (essa minha mãe levou anos para me convencer a usar. Mas conseguiu.)

Onde eu queria chegar mesmo? Ah, é. Agora que sou adulta, posso retomar (quase) tudo de legal do tempo de criança!

Posso ter cabelo curto e usar shorts e abandonar a bolsa. Posso correr e pular. Posso não usar saltos, nunca (saltos atrapalham muito as corridas e os pulos). Posso dançar freneticamente na sala.

Sem perder as vantagens de estar crescida e madura. Por exemplo: hoje, se alguém ri de mim, eu rio de volta. Ou os ignoro do alto de minha superioridade. Ou digo que o Leo vai bater neles (fica esperta, Juliana N.!) E tenho salário, então posso comprar um monte de chocolate, um montão mesmo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Caso da Homofobia

Às vezes me pergunto por que tem uns homens tão homofóbicos. Deve ter mulher também, mas geralmente quem expressa seu horror em alto e bom tom são os homens. Horror aos gays masculinos, claro. As lésbicas não são muito citadas nessa hora (só para comparecerem nas piadinhas machistas de praxe).

Posso estar viajando legal, mas ando me perguntando se a fobia não viria do fato de os homens, na sociedade patriarcal, estarem no topo da cadeia alimentar: eles são os “pegadores”, os sujeitos do desejo. A princípio um homem tem total liberdade para selecionar e tentar conquistar sua parceira. Ah, e eles não precisam temer o estupro, claro.

Entretanto, em um mundo que existem gays, o homem heterossexual também pode ser presa. Pode ser assediado; pode tornar-se vulnerável. (Não que isso vá acontecer, é evidente: ao contrário do que alguns homens hetero pensam, gays não são monstros libidinosos prontos para atacar. Eles têm padrões!). Em tese, um mundo em que o homem se torna objeto de desejo apresenta todas essas possibilidades, vejam só. E o que pode ser mais horrível do que ocupar um papel (desvantajoso) tradicionalmente impingido às mulheres?

Já li na internet reclamações de homens a respeito da crescente tolerância em relação ao homossexualismo. Um deles havia até recebido uma cantada de outro homem na rua, coitadinho! Puxa, mas ele não achou que era ótimo para a auto-estima dele? Que era uma reafirmação de sua beleza? Que era a maior vantagem? (Que é o que geralmente dizem para nós, mulheres, quando a gente reclama do assédio masculino.)

A propósito, a Danuza Leão tem uma dica ótima de como reagir a abordagens de pessoas do mesmo sexo. Igualzinho você reage a abordagens do sexo oposto, ué! Se está interessado, dá bola; se não, dispensa.

Não tem mistério.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Caso do Espectro

O cunhado M. disse que meu feminismo prático é complicado para mulheres que estão tentando arrumar uma vaga no mercado de trabalho e/ou um namorado. Como se só existissem duas opções: perua total X esfarrapada de chinelos.

Expliquei para ele que existe todo um espectro de cuidados femininos. E que quem concorda de que muitos deles são imposição da sociedade sem embasamento racional pode optar por ficar na parte mais baixa do espectro, sem radicalizar. (Apesar de mães que acham que "não passar esmalte na unha" ou "não fazer escova" seja radical, ninguém vai apontar você na rua por causa disso. Acho que radicalizar é sacudir as expectativas mesmo, como passar máquina 4 na cabeça ou não se depilar.)

Não acho que meu feminismo prático seja o único feminismo possível (a Marta Suplicy é feminista e usa botox, uai). E vejo que a maior beneficiária dele, até agora, fui eu.

Fico pronta num instante. Arrumo malas num piscar de olhos. Não preciso passar em casa para trocar de roupa entre programas. Não ligo para o que as pessoas estão vestindo. Acho um monte de gente "fora do padrão" bonita. Não me importo com pequenas imperfeições em mim e no mundo. Não vejo mais E!Entertainment. Estou mais tranqüila, mais alegre, mais feliz. (sim, eu fico brava quando leio uma matéria sexista ou veja um comercial idem. Mas nem esquento com probleminhas do dia-a-dia.) Ah, e também ando me achando muito rica, agora que descobri que bolsas de marca que custam milhares de dólares e sapatos idem são inteiramente dispensáveis (nunca comprei nenhum dos dois, mas confesso que, no ápice das leituras das revistas femininas e dos blogues de moda, cheguei a achar que eles eram importantes).

Por sua vez, o Maridinho está achando ótimo. Ontem ele declarou que o meu feminismo foi a segunda melhor coisa que aconteceu a ele (a primeira foi casar comigo). É fato que meu nível de frescura despencou.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Caso dos Gêneros

Uma das discussões do feminismo é a igualdade entre os sexos. Porque homens e mulheres não diferentes, ué.

Eu costumava negar isso até a morte, afirmando que as diferenças são puramente construídas, mas tive de dar o braço a torcer. Agora acho que as diferenças são majoritariamente construídas. De fato um homem não vai engravidar e uma mulher não vai ter câncer de próstata. Mas nada impede que ele tenha licença-maternidade (na Suécia o tempo é divido entre mãe e pai) ou que ela vá pra guerra (em Israel o serviço militar é obrigatório para as mulheres também).

A amiga L., que faz Filosofia na USP, me disse que a discussão biológico X cultural na diferenciação de gêneros já está superada. O entendimento atual é que ambos os fatores influem e não há como dizer qual é mais importante do que o outro. Particularmente, ela acredita que todos nós nascemos com características [consideradas pela sociedade como] femininas e características [consideradas pela sociedade como] masculinas, e algumas são mais estimuladas do que as outras, conforme o sexo biológico do indivíduo.

Acho que faz sentido. E também acho que o estímulo dirigido é uma estupidez. É mesma coisa que pegar uma criança no primeiro ano escolar, decidir que ela deve se aplicar ao português porque seus olhos são castanhos, e proibir que ela freqüente as aulas de matemática. E ensiná-la a olhar com desconfiança as crianças de olhos azuis, que freqüentam as aulas de matemática. E a desprezar as crianças de olhos castanhos que insistem em freqüentar as aulas de matemática, indo contra a ordem natural das coisas, as pervertidas!

Embora as crianças em geral tenham habilidade tanto para línguas quanto para números, nossa criança ia ficar ótima em português e fraquíssima em matemática. Ela não precisaria se preocupar, já que a sociedade ia dizer pra ela que gente de olho castanho nasce para dominar o português, mesmo. Mas não seria muito melhor para ela saber português E matemática?

Acho que é uma boa analogia para o que acontece com a gente. Uma sociedade na qual os homens não podem ser meigos e as mulheres não podem ser agressivas está obrigando todo mundo a enferrujar um monte de habilidades. Um mundo no qual “mulher masculinizada” e “homem afeminado” são xingamentos condena os seres humanos a viverem enclausurados em seus papéis pré-determinados. Porque, vejam bem, características consideradas femininas e masculinas não são mutuamente excludentes. Uma pessoa pode ser briguenta no mercado de ações e delicada com o cônjuge. A situação, e não os cromossomos X e Y, é que determinaria o comportamento. O que me parece muito mais lógico e adequado, né não?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O Caso das Condições Adversas

Falei que eu não sabia como ia me comportar quando me mudasse para a cidade grande, mas percebi que ando resistindo bem às tentações do consumo. Olha só: a irmã I., que é consultora, está alocada nos States.

Os EUA são tipo assim o paraíso das compras. Lá tem a Sephora, a loja de cosméticos mais completa de todos os tempos; e a Macy's, que tem dez andares de roupas e acessórios e artigos de casa a preços acessíveis ao meu bolsinho; e outlets, pontas-de-estoque que vendem coleções passadas com ótimos descontos. Se eu pedir alguma coisa, a irmã I. traz com a maior boa vontade.

Mas estou me contendo.

* * *

Por outro lado, estou numa orgia de compra de livros que não tem fim. Encomendei todas as Eras do Hobsbawm no Better World (Obs 1: ainda não chegaram; aposto que estão parados com os amiguinhos da Receita Federal. Eu devo ser figurinha marcada na alfândega, porque volta e meia chega um pacotinho meu. Cheio de... livros! Um dia eles vão descobrir que o que eu estou importando ilegalmente são as caixas de papelão, hehe. Obs 2: a observação anterior foi uma piada, tá? Caso alguém tenha ficado na dúvida. A única coisa que eu importo ilegalmente são idéias feministas subversivas. Obs 3: isso também foi uma piada. Obs 4: ou não.). E comprei dois volumes bala de Geografia Mundial e do Brasil. E um Atlas. E uma História do Brasil. E o Casa Grande&Senzala, que me provocou várias emoções contraditórias e que eu acabei dando para o meu pai, que estava de olho nele. E o Raízes do Brasil, que é bem menos empolgante que o CG&S, mas pelo menos não fala que os judeus têm braços atrofiados e dedos como garras pelo manuseio constante do dinheiro. Braços que não servem para trabalhar etc. O que me fez pensar imediatamente no Sr. Burns dos Simpsons. E como boa cristã-nova de quarta geração fiquei indignada pela ofensa aos meus bracinhos. E ontem descobri as obras completas do Machado de Assis em uma superpromoção, e avisei ao Maridinho que seria um ótimo presente de aniversário. Valendo pelos próximos três anos, porque apesar da promoção achei caro pra burro. O pior é que tem tudo do Machadão na rede (menos fotos de nu frontal). Só que eu sou viciada no cheiro de papel novo e só o Machado em papel é que dá para levar pra cama (licença poética, Maridinho).

Então na verdade esse meu fervor anti-consumista é meio fachada, né? Se bem que livros bons não são consumo: são investimento. He.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Caso da Normatização da Moda

Uma das coisas que vendem para nós, mulheres, é que o fato de a gente ter muito mais opções do que os homens para nos vestirmos é a maior vantagem. Ando achando que não é beeem assim. É verdade que em muitos eventos podemos usar roupas fresquinhas enquanto eles torram no terno. Mas, por outro lado, nos dias frios a gente pena para arranjar um modelito de festa adequado, e eles ficam bem confortáveis.

A questão é que a variedade de opções não significa que possamos escolher livremente como a gente quer se apresentar. Ao contrário: existem montes de regras que precisamos seguir. Da cor que nos favorece à estampa que nos cai bem. Do que está na moda versus o que é tão estação passada. E, o mais ofensivo, o que devemos usar para “disfarçar” nossos “pontos fracos”, sendo que é tudo ponto fraco: muita altura, pouca altura, muito peso, pouco peso, muito peito, pouco peito, muito quadril, pouca cintura, e lá se vai a lista interminável que nos conta como nossos corpos são imperfeitos e como precisamos lutar para melhorá-los. Auto-estima, oi?

(Enquanto isso, os homens não questionam seus corpos. As revistas que eles lêem não dizem para eles que pescoços longos devem ser disfarçados com golas retas e pescoços curtos, valorizados com decotes V. Ou que o corte de cabelo tem de pôr em evidência as maçãs do rosto mas esconder orelhas de abano.)

Como vocês podem ter percebido, eu sou especialista nessas regrinhas. Então eu não estou dizendo que elas são tolas porque não as compreendo. Eu as compreendo muitíssimo bem, obrigada, e já as usei fartamente (em “proveito” próprio e alheio). E agora estou achando que elas são tolas. Porque, de novo, elas demandam tempo e dinheiro e esforço para um resultado, bem, imediatamente satisfatório mas não muito compensador a longo prazo. Porque os homens não têm de se preocupar com isso, e conseqüentemente gastam esse tempo, dinheiro e esforço em coisas no mínimo mais divertidas. Porque, se você perguntar, metade da população mundial (os homens) não liga a mínima se a nossa roupa é tendência (aparentemente, eles só ligam para os decotes e as mini-saias). Quem liga, aplaude, critica e faz listas de certo e errado em revistas são, na maior parte, as mulheres.

Então, de novo, a minha teoria simplificante funciona bem. Se você tem um monte de calças e camisas, ou saias e blusas, que combinam todas entre si, você não tem de quebrar a cabeça toda vez que for sair de casa. Se seus sapatos são confortáveis e básicos, você não tem de se preocupar se as proporções ficaram adequadas ou se você vai ficar muito tempo de pé. E nada impede que todas essas calças e saias e blusas e sapatos sejam lindos na sua opinião e você os adore.

sábado, 2 de janeiro de 2010

O Caso da Teoria e da Prática

Ando navegando alegremente pelo meu novo sistema feminista. O interessante é que, quando a gente começa a praticar a reflexão, ela acaba se estendendo para outras áreas. No meu caso, a área que está na berlinda é a do consumo como reflexão de valor. Assim: para as pessoas te considerarem, você tem de ter ao menos um carro X, um apartamento Y, e uns acessórios LV.

(Pausa: acho que isso tem tudo a ver com a relutância de muitas mulheres de se livrarem dos enfeites femininos. Porque cabelão liso, bijoux várias, bolsa de marca e roupa da moda são, em nossa sociedade, sinal de poder financeiro, né? E no Brasil parece que quem tem cara de rico é mais bem-tratado.)

Ando concluindo que isso é uma bobagem. Que ter e ser não andam necessariamente juntos (ou separados). Que se algumas pessoas não quiserem ser minhas amigas por causa disso, então eu também não quero nada com elas, obrigada.

Ando achando que moro em um apartamento grande demais. Que tenho sapatos e bolsas demais. Que minha vida tem coisas demais, e olha que eu sou bem econômica e não muito consumista. (Só livros e fotos de viagem eu nunca acho que são demais.)

Meu novo jeito desapegado de ser funciona muitíssimo bem onde moro, uma cidade do interior sem muitas opções e mais para pobre do que para rica. Só que Maridinho está fazendo concursos, e é muito provável que no curso de 2010 a gente se realoque em uma capital.

Então ficamos pensando em alugar um apartamento menor, não só porque aqui sobra espaço mas também porque em uma cidade grade o aluguel é entre duas e três vezes mais caro. Hoje decidimos trocar de carro (o nosso é um médio, bom para pegar a estrada até BH) por uma versão mais econômica e compacta, depois da mudança. E não precisa nem dizer que pretendo continuar seguindo meu esquema altamente simplificado (inspirado no Maridinho) de moda e beleza.

Entretanto, não deixo de me perguntar como os meus princípios vão se comportar em um ambiente hostil. Será que, em um local de trabalho em que o habitual é tailleur e maquiagem pesada, vou acabar retornando aos cosméticos e acessórios? Será que, em uma cidade onde a norma é a ostentação de riqueza, eu vou começar a achar que carrões e apartamentaços são essenciais à minha felicidade?

Espero que não. Acho que não. Mas tô de olho, ó.