domingo, 31 de janeiro de 2021

Minha ansiedade, uma historinha

Uma das coisas mais difíceis que já fiz foi aceitar tomar remédio contra a ansiedade. 

Precisei de ir a mais de um psiquiatra até encontrar um no qual eu confiasse. Isso e falar com minha mãe, que é a pessoa da área da saúde mais anti-intervencionista que conheço, que me disse: "minha filha, se você está sofrendo, tome sim". 

Isso e uma conversa decisiva com o médico. "Mas se eu não ficar ansiosa, vou ficar desprotegida" (isto é, eu achava que tudo era perigoso. Se eu não soubesse mais o que era perigoso, como ia me defender?). Ele respondeu: "Você já está desprotegida. Viver é um risco."

Isso e o fato de ele ter me receitado um antidepressivo, que não causa dependência (mas causa síndrome de abstinência). 

Isso e o sofrimento profundo que eu sentia toda vez que precisava entrar no carro para ir de Coronel Fabricano para Belo Horizonte, e vice-versa (três horas de viagem, estrada perigosa, curva atrás de curva). E para sair à noite na capital, mesmo se fosse de casa para o aeroporto. 

Tomei, e fui muito bom. Não tive praticamente efeitos colaterais, só perda de apetite e uma leve náusea nos primeiros meses. Bem diferente de alguns testemunhos na internet - quem se dá bem com o remédio, como eu, tende a não registrar a experiência. Depois de um tempo, parei. 

Isso foi em 2009. Corta para 2019. 

Cheguei à Manila depois de mais de 20 horas de voo. O jet lag não passou nunca. Virou uma ansiedade exagerada não episódica, mas 24 horas por dia. Um sofrimento interminável. Logo na primeira semana, furtaram minha carteira e meu passaporte, o que não ajudou em nada. Para completar, meu chefe direto era exigentíssimo. Para completar, só consegui marcar um psiquiatra duas semanas depois da chegada (dando graças a deus que ele atendia em inglês). Para completar, o remédio só começou a fazer efeito um mês depois. 

Foi barra. Como registrei aqui, em certos momentos, se me oferecessem voltar para o Brasil, eu teria voltado. Obviamente, não me ofereceram - eu precisaria pedir. E não pedi, porque sou teimosa e perfeccionista (características que, ironicamente, alimentam a ansiedade).  

Hoje, estou bem. 

Sim, já fiz terapia (várias vezes). Sim, já tentei técnicas de relaxamento. Sim, já meditei (e foi difícil, não consegui transformar em hábito, mas estou disposta a tentar novamente). 

Quando se tem uma dor física, em geral é fácil explicar do que se trata e conseguir tratamento. A dor psíquica é muito mais complicada. São sentimentos ruins, e a gente não sabe se eles são válidos ou não. Se você não pode confiar no que está sentindo, no que pode confiar?

Nessas horas, a racionalidade não ajuda. Eu sabia que estava perfeitamente segura e que tinha competência suficiente para o trabalho. Ainda assim, o coração acelerado, o estômago revirado e sensação generalizada de medo não passavam. 

Até que passaram. 

Passaram tanto que, em dois momentos diferentes, decidi diminuir a dose do remédio por conta própria. É uma péssima ideia, crianças - não façam em casa. Um mês depois eu já estava toda aflita de novo e voltando para a dose inicial. E gastando mais um mês inteiro para voltar ao equilíbrio anterior duramente conquistado. 

E por que estou contando isso aqui? Porque talvez alguém mais por aí esteja enfrentando essa batalha e vai se sentir menos sozinha. Porque uma das características das pessoas ansiosas é querer parecer controladas e serenas, embora estejam borbulhando por dentro (juro que, na vida real, me acham controlada e serena). Porque não é fácil, e é uma porcaria, e desabafar ajuda.

É isso. 

17 comentários:

  1. Como diferenciar uma ansiedade normal duma ansiedade que requer tratamento/medicação?

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  2. Pela minha experiência, se você deixa repetidamente de fazer coisas por causa da ansiedade (como dirigir ou sair à noite), ou se faz com grande desconforto (isto é, evitaria se pudesse), é uma boa ideia procurar uma psicóloga para conversar.

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  3. Obrigada por compartilhar algo tão pessoal, Lud. Estou nesse processo de encontrar um segundo psiquiatra para confirmar a minha necessidade de medicação (cheguei a comprar o indicado pela primeira, mas também não senti total confiança e morro de medo de dependência). Te acompanho há anos, também sou bem perfeccionista e controladora, e seu relato me tranquiliza de que realmente os efeitos são bem melhores do que os que lemos na internet. Que seus dias sejam cada vez melhores. Abraço pra você e pro Léo!

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    1. Oi, Lu! É um processo trabalhoso, mas vale a pena. Se você decidir não tomar neste momento, tudo bem. Se decidir tomar, tudo bem também. Para mim, fez (e faz) muita diferença - para melhor - na vida.
      Se quiser trocar ideias, estamos aqui.
      Abraços e boa sorte!

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  4. Respondendo ao anônimo acima: se te preocupa (e preocupa, senão não perguntaria), sua ansiedade deve ser avaliada. Consideramos a frequência das crises, a gravidade delas e, principalmente, as repercussões na vida da pessoa. O mais importante, ao meu ver, é saber que ninguém precisa estar passando por esse mal estar: tem tratamento!
    Lud, eu leio você há muitos anos e gosto bastante de sua linha de pensamento. Também sou ansiosa e me trato. Encaro (hoje em dia) como uma outra doença qualquer: diabetes, pressão alta e tal. Se eu tivesse pressão alta, eu tomaria o remédio? Sim. Faria os exercícios que o médico passou? Sim. Então, fica tudo mais leve. Forças e obrigada por compartilhar conosco!
    P.s. as pessoas me acham a "calma" em pessoa kkkkkkkk

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  5. É isso aí, DiLuaa. Tomar remédio não impede (só ajuda) fazer terapia, trabalhar o perfeccionismo e, eventualmente, parar a medicação (ou não).
    Que bom que você se trata. Tamo junto!

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  6. Oi Lud,

    Quando li o teu post imediatamente lembrei de 2 livros, Meus tempos de ansiedade e O demonio do meio dia. O Andrew Solomon lá pelas tantas fala bem isso, que as pessoas aceitam tomar remedio para pressao alta para o resto da vida mas têm dificuldade em aceitar a medicação para depressão. Outra coisa que ele diz é que o tipo de vida que a gente leva pode piorar algumas tendências. Eu entendi muitas coisas nos meus processos mentais quando li o livro a primeira vez (eu li duas vezes). Sobre ser perfeccionista, você já conseguiu um monte de coisas na vida por ser dessa maneira, como tudo na vida tem um lado bom e outro nem tanto. Eu também pareço muito calma e controlada mas também sou muito ansiosa, provavelmente o meu lado controlador se desenvolveu exatamente porque era uma maneira de controlar o medo. Mas na maior parte do tempo isso nao chega a me paralisar. Falar em voz alta os medos ajuda, por isso a terapia ou conversar sobre o assunto é sempre bom.
    Obrigada por compartilhar esse assunto tão intimo, tenho certeza que ler a tua experiencia pode ajudar quem se sente assim também.

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  7. Daniela, não acredito! Eu acabei de ler Meus tempos de ansiedade (adorei). E gosto muito dO demônio do meio-dia.
    Para mim, foram leituras muito reconfortantes. Inclusive porque percebi que minha ansiedade não é das piores - tem gente que aguenta uma barra muito mais pesada.
    Sim, falar em voz alta os medos ajuda. Só que demorei muito tempo para admiti-los para mim mesma, e ainda mais para os outros!
    Um beijo e vamos que vamos.

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    1. Lud, eu também percebi que a minha depressão era só tpm quando li O demonio do meio dia. No meu caso, o meu principal sintoma é uma preocupação excessiva com tudo, inclusive com coisas completamente fora do meu alcance. O interessante é que verbalizando algumas delas, algumas amigas falam que pensam a mesma coisa. Então eu acho que, assim como a histeria nos tempos do Freud, a ansiedade é também um sintoma do nosso tempo, do tipo de vida que a gente leva, associado com uma tendência maior de algumas pessoas. E assim vamos levando, administrando essa incapacidade de viver o presente.
      Te cuida!

      Beijo, Daniela

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    2. Sim! Certamente o excesso de opções da vida atual gera ansiedade. Se vivêssemos na Idade Média, provavelmente seríamos revoltadas - mas não seríamos ansiosas =D.

      A não ser, claro, que sentíssemos uma preocupação constante com a possibilidade de sermos queimadas na fogueira.

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  8. Nossa, Lud,

    eu estou num processo de desmame de um remédio antidepressivo que é assim mesmo como o que você descreve. Encarando a síndrome de descontinuidade com um pouco de fé e um pouco de desespero, mas otimista de conseguir viver sem ele.

    Nem imagino como deve ter sido fazer tudo isso, sem um suporte mais "confortável" por assim dizer. Eu conhecia cada aspecto da minha vida e pude me concentrar em só cuidar da medicação, e mesmo assim nunca foi bolinho.

    Acabei de fazer um retiro de meditação, de 5 dias, para aprender a técnica e começar a praticar. Espero que você consiga se comprometer com esse hábito, ou outro que seja tão benéfico para vocÊ quanto!

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    1. Um dia de cada vez, né? E sem correria. Boa sorte!

      No meu caso, como eu já tinha tido diagnosticada e medicada 10 anos antes, não foi tão difícil reconhecer o problema (e a solução). Mas confesso que demorei para admitir o tamanho do buraco, rs. Eu estava tendo episódios de ansiedade antes, e fui levando, achando que assim que eu me mudasse tudo estaria resolvido. Lego engano!

      Vou insistir na meditação, sim. Tomara que você incorpore mesmo à rotina!

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  9. Oi Lud! Também te acompanho a anos e me identifico muito com a sua forma de pensar. O seu relato foi muito importante pra mim. Essa semana procurei uma psiquiatra e iniciei a medicação. Ainda estou mal, mas com esperanças de que as coisas vão melhorar. Também demorei para admitir o tamanho do buraco e a necessidade de ajuda. Vou voltar pra terapia e tentar voltar com o hábito da meditação, que parei no fim do ano passado. Estou procurando mais as minhas amigas para conversar e descobri que algumas estão passando pelo mesmo que eu. Enfim, só queria agradecer pelo seu relato e te desejar melhoras.
    Fernanda

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  10. Fernanda, fico feliz que você tenha buscado ajuda. Aguenta firme porque a medicação pode demorar algumas semanas para fazer efeito, mas as coisas vão melhorar, prometo.
    Pois é, quando a gente abre o jogo percebe que não estamos sozinhas, né? Ainda mais nesses tempos de pandemia e crise.
    Obrigada pela sua mensagem. Tamo junto!

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