sábado, 20 de março de 2021

Minimalismo: uma historinha

Uma leitora pediu para eu me falar como me tornei minimalista. Tem posts a respeito nos blogues anteriores, mas está tudo junto e misturado. Então vamos lá, sucintamente: 

Em 2010, eu tinha 34 anos e me tornei uma feminista prática. Isto é, passei do discurso para... a prática. Deixei de usar maquiagem, roupas justas, curtas e decotadas, e salto alto; de pintar o cabelo e as unhas, de seguir a moda. 

Foi lindo e libertador. Depois voltei a esconder as olheiras e a usar batom (um cor só!) e, de vez em quando, vestidos. Sou muito feliz com o tempo/energia/dinheiro que não gasto com os ditos "cuidados femininos".  Apoio as irmãs, não faço comentários sobre corpos alheios, adoro ter chefe mulher e tento desmontar os discursos machistas. Meu marido parou de trabalhar para me acompanhar no exterior e nós dois achamos que fazemos um ótimo time: eu ganho dinheiro, ele cuida da casa. 

Mas estou me adiantando. Em 2011, eu e marido batemos o martelo: realmente não queríamos ter filhos. E aí pensamos - o que queremos fazer de diferente? A gente bem que podia tirar uma licença sem salário e sair viajando pelo mundo, hein. 

Como somos organizados, botamos tudo na ponta do lápis e concluímos que para manter uma casa montada no Brasil e viajar ao mesmo tempo ia custar dinheiro demais. Então descobrimos o pulo do gato, que muito estrangeiro estava fazendo (e registrando em blogues):  junte dinheiro, venda tudo e ponha o pé na estrada. 

Foi aí que descobri o minimalismo. Foi o pulo da mãe do gato: existe uma maneira de viver que permite que você concentre seus recursos e energias no que é mais importante para você. Isso ressoou muito com o feminismo prático, que é o mesmo raciocínio focado em um ponto específico. 

As duas coisas começaram a andar juntas. Juro para você: tem mulher que gostaria de viajar por períodos prolongados mas se angustia com a manutenção do cabelo, da unha, da depilação. Sem falar que fica mais difícil juntar dinheiro se você tem um monte de despesa no salão. E olha, eu super entendo. É uma barreira a superar.

Planos feitos, começamos a economizar fortemente no fim de 2011. O objetivo era sair do Brasil em 1º de janeiro de 2013. Tentávamos só gastar em comida, itens de limpeza e remédios. Ao mesmo tempo, fui me desfazendo do meu imenso guarda-roupa (eu não era  consumista, mas nunca jogava nada fora). Um tanto vendi em brechó, outro tanto doei. 

No julho de 2012, nos mudamos para um apê de um quarto, o que fez a despesa aluguel cair para menos de metade; aproveitamos que estávamos deixando o apartamento grande e fizemos um "Família vende tudo". Ficou só um enxoval-cápsula, que guardei na casa dos meus pais. 

Tudo isso foi feito com muita empolgação e alegria. Faz toda diferença do mundo deixar de fazer/comprar um monte de coisas se a decisão é sua. No fim de 2012, passamos o Natal com a família, nos despedimos dos amigos e pegamos um avião sem chaves no bolso. 

Foram 2 anos e 2 meses viajando pelo mundo, e essa é uma outra história. Mas posso dizer que o minimalismo foi essencial para o sucesso do projeto. Não compramos um único souvenir (ok, o Leo comprou ímãs para o irmão, que faz coleção). Embarcávamos com a menor mala possível (demos a sorte de minha irmã estar na Alemanha nesse período e nos emprestar o porão dela para guardar as roupas de inverno/verão). E às vezes ficávamos em apartamentos do AirBnb não muito confortáveis, mas faz parte. 

Voltamos para o Brasil em março de 2015. Levamos o minimalismo para a vida. Alugamos um apê pequeno e mobiliado. Não (re)compramos carro. Limpávamos a casa nós mesmos. Tirávamos os sapatos na porta. 

E, quando deixei o cargo de analista da Receita Federal para o de oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, meu salário caiu pela metade. E tudo bem, porque a gente já vivia bem abaixo dos nossos meios mesmo. 

(Obs: sim, temos inteira noção do quanto somos privilegiados. Não é todo mundo que pode viver abaixo de seus meios, ainda mais no Brasil. Faz muita diferença também viver longe da família: não fica aquela comparação com o carro novo do primo fulano, ou a cobertura que a prima sicrana financiou.)

Hoje eu moro em Manila, nas Filipinas. Não tinha ideia de que um dia iria parar aqui. Também não imaginava que uma pandemia nos deixaria presos em nossas casas e cidades. Mas vamos que vamos, um dia de cada vez. 

* * * 

Quero agradecer à leitora anônima que pediu para contar sobre como foi meu caminho para o minimalismo. É um ótimo tema para abordar no blog. Continuo minimalista, continuo feminista prática, e nesse período tão turbulento, talvez seja um alento falar a respeito. 

Para quem quiser conhecer alguém que se tornou minimalista de forma menos rocambolesca, recomendo: 

Minimalizo, da Fernanda; 

Viver sem Pressa, da Yuka. 

3 comentários:

  1. Estou nesse processo de mudança na minha vida essa pandemia vem fazendo a gente refletir muito sobre o que nos agrega valor principalmente quando vamos perdendo pessoas de nosso convívio para a doença. Mas você me ajuda em uma questão que eu tenho muita dificuldade mas que estou no processo de libertação não só por questões feministas mas também pelo minimalismo e principalmente o meio ambiente como você conseguiu desapegar do costume de fazer as unhas e usar maquiagem como foi essa mudança na sua vida foi gradual ou deu um click e simplesmente você parou? Obrigada pelas informações no seu blog tenho aprendido muito e me tem me ajudado bastante nessas mudanças de hábitos.

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    Respostas
    1. Anônima, eu parei de uma vez, mas foi só depois de ter pensado muito e lido O Mito da Beleza (joga no Google: "mito da beleza" pdf) e outros livros feministas. Conheço gente que foi aos poucos. A melhor tática depende da sua personalidade.

      Eu gosto ir a extremos e voltar um pouco atrás, se for o caso. Há quem prefira ir passo a passo. Além disso...

      Nossa, essa resposta vai ficar enorme. Vou fazer outro post =).

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  2. Oi Lud, acompanho teu blog faz um tempo e adoro teus textos, são inspiradores. Não tens mais o blog Lud e Leo pelo mundo?

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